Coluna - Justo ou injusto?

Reclassificação no basquete tira atletas do movimento paralímpico

Publicado em 04/08/2020 - 11:59 Por Lincoln Chaves - Repórter da TV Brasil e Rádio Nacional - São Paulo

A classificação funcional determina se o grau de comprometimento da deficiência de um atleta o enquadra ou não no movimento paralímpico e qual sua classe. Trata-se de um processo delicado, meticuloso e que sofreu mudanças em algumas modalidades já com o ciclo dos Jogos de Tóquio, no Japão, em andamento. As da natação provocaram várias alterações em categorias físico-motoras. André Brasil, por exemplo, campeão mundial e paralímpico, foi considerado inelegível nas provas em que era especialista e até recordista. Phelipe Rodrigues, também medalhista, quase passou pelo mesmo tormento.

O basquete em cadeira de rodas vive um cenário semelhante. No começo do ano, o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, sigla em inglês) informou que a modalidade não faria parte da programação da Paralimpíada de Paris, na França, em 2024, e que até a presença em Tóquio estava ameaçada. O motivo? Desacordo entre os critérios de elegibilidade do IPC e da Federação Internacional de Basquete em Cadeira de Rodas (IWBF, sigla em inglês). O Comitê entendia que os critérios da federação davam abertura a atletas cujo comprometimento não os enquadrava no movimento.

O assunto foi pauta na Agência Brasil em fevereiro. Embora bata na tecla de que seu modelo é "forte e robusto", a IWBF iniciou a reclassificação dos atletas das classes 4,0 e 4,5 – as de menor grau de impacto físico-motor – de países que competirão em Tóquio, com base nos critérios do IPC. O  presidente da federação, Ulf Mehrens, justificou a medida em comunicado recente, publicado no site oficial da entidade.

"A IWBF ainda acredita totalmente em sua filosofia de classificação e que o esporte deva ser inclusivo para qualquer um com uma deficiência elegível nos membros inferiores. O sistema de classificação no qual o jogo foi construído garante que os jogadores tenham direitos e oportunidades iguais de integrarem um time. Porém, como membro do movimento paralímpico e por ter assinado o código do IPC, a IWBF deve entrar em acordo com as demandas do Comitê, o que inclui refletir o código de classificação do atletas do IPC", sustenta o dirigente.

Dos 132 atletas reclassificados, 119 foram considerados aptos a competir na Paralimpíada, com nove inelegíveis, restando quatro casos que "dependem de mais informações". Por entender que as reavaliações para Tóquio estão perto do fim, o IPC suspendeu o prazo (que inicialmente era até 29 de maio) para a IWBF concluir o processo. O Comitê também eliminou as dúvidas de que o basquete em cadeira de rodas poderia ficar fora dos próximos Jogos, ao confirmar a modalidade no cronograma de 2021, divulgado na segunda-feira (3).

A presença da modalidade em 2024, porém, ainda é incerta. O Comitê determinou em janeiro que a federação "assegure que suas próprias regras de classificação e operação estejam alinhadas e totalmente compatíveis com o código do IPC" até 31 de agosto do ano que vem, segundo o comunicado divulgado no último dia 31 de julho. Caso contrário, o basquete para cadeirantes não será readmitido na próxima Paralimpíada. Por ora, conforme a entidade que gerencia o paradesporto no mundo, "a IWBF está excluída da programação de Paris".

O impasse em si caminha para uma solução. A IWBF espera finalizar a reclassificação dos atletas as classes 4,0 e 4,5 - incluindo os que não estarão em Tóquio - até o fim do ano, de maneira escalonada. Como as seleções brasileiras masculina e feminina não conquistaram vaga para 2021, os jogadores do país ainda serão avaliados.

E quem, de repente, ficou fora do movimento paralímpico? No comunicado da IWBF, Ulf Mehrens afirmou que a federação trabalha "para dar suporte a qualquer atleta impactado e criar mecanismos para que continuem jogando o basquete em cadeira de rodas". Ele também enfatizou que "um jogador considerado inelegível não burlou o sistema ou o deturpou intencionalmente, de forma alguma".

Discursos, porém, não consolam os nove atletas afetados pela reclassificação. É o caso da australiana Annabelle Lindsay. Em 2016, aos 17 anos, ela sofreu uma contusão no joelho. Após o trauma,  deslocava a rótula sempre que tentava atuar no basquete "convencional". Na modalidade em cadeira de rodas, a jovem pôde defende o país internacionalmente, além de estudar - e jogar - nos Estados Unidos. Em postagem emocionada no Instagram, ela anunciou a aposentadoria "forçada", e ressaltou a importância do paradesporto em vida: “foi minha salvação, permitiu que viajasse o mundo e deu experiências que nunca sonhei".

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

This is a heart breaking way for my basketball career to end but due to the new classification rules being enforced by the International Paralympic Committee, my disability has now been deemed ‘ineligible’, forcing me to retire from international basketball. Though this is gut wrenching and disappointing to say the least, I am so grateful for everything wheelchair basketball has brought into my life. After first suffering my career ending injury playing able-bodied basketball I found my self lost, I wasn’t ready to give up my basketball career and all my playing dreams at just 17. Wheelchair basketball was my saviour, the sport has allowed me to still live my dream of being a student athlete at a college in the US and to represent Australia in basketball. It has allowed me to travel the World and has given me experiences that I never could have dreamt of. What I am most grateful for is the amazing and inspiring group of individuals that wheelchair basketball has brought into my life. As I reflect, I feel so lucky to have had the support of so many through out my career and all I can say is thank you. Thank you to everyone I’ve ever shared the court with, both as a teammate and opponent. Thank you to all the coaches, staff and organizations who have invested so much time and effort into me so that I could be the athlete I can. Most importantly, I wanted to thank all my amazing friends and family who have supported and stuck by me on this wild journey. To my Australian Gliders, I am gutted that I won’t be heading to the Tokyo Paralympics with you but getting to be your teammate and wearing that Australian jersey has been one of my proudest achievements! I can’t wait to embrace my new role of being your #1 fan. To the wheelchair basketball/ Paralympic community, thank you for embracing me with open arms and showing me the World through a wider lens. Even in this new stage of my life, I will continue to be an advocate for people with disabilities and Paralympic sport. As my chapter of being an elite basketballer finally comes to a close, I’m excited to see where this new stage of life takes me.

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David Eng, que nasceu com uma perna menor que a outra, também teve a carreira abreviada pela reclassificação. Porta-bandeira do Canadá na Paralimpíada Rio 2016, foi medalhista de ouro pelo país nas edições de 2004 e 2012. "Não é assim, obviamente, que pretendia encerrar minha carreira internacional. Ao mesmo tempo, o esporte trouxe muito a mim e à minha família", disse o agora ex-atleta paralímpico, de 43 anos, em depoimento à Federação Canadense de basquete em cadeira de rodas (WBC, em inglês).

"Essas pessoas, do dia para noite, foram retiradas do programa paralímpico. Durante muito tempo, foi dada a elas a oportunidade de prática. Acho que o processo poderia ser feito com um pouco mais de cuidado, apesar de o IPC ter avisado várias vezes à federação [sobre a necessidade de revisão na classificação], que não tomou as providências necessárias", resume o técnico da seleção brasileira masculina, Sileno Santos, à Agência Brasil.

Justo? Injusto? O cenário reforça o quão delicado - e difícil - é a classificação funcional. Por mais que se busque a objetividade nos critérios, a subjetividade também permeia o processo, ainda mais por se tratar de pessoas com históricos diferentes, apesar de deficiências que, às vezes, são parecidas. É uma questão que sempre estará em evidência, com decisões que nem sempre agradarão a todos. Cabe às federações e ao IPC encontrar um denominador comum para minimizar as polêmicas. O que não tem sido exatamente fácil no ciclo de Tóquio.

Edição: Cláudia Soares Rodrigues

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