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Negligência em casos de mortes maternas já levou Brasil a ser condenado pela ONU

Isabela Vieira – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 28/05/2015 - 06:30
Rio de Janeiro
Grávida
© Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil

A morte da jovem de 28 anos Alyne da Silva Pimentel Teixeira, grávida de seis meses, por falta de atendimento adequado na rede pública de saúde levou o Brasil a ser condenado internacionalmente pelo Comitê para Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (Cedaw) das Nações Unidas (ONU). O caso, ocorrido na Baixada Fluminense há quase 13 anos, fez a Corte determinar uma série de recomendações ao Brasil para diminuir os números de morte materna.

Para a médica Jurema Werneck, integrante da organização não governamental Criola, a discriminação foi um dos fatores que levou à condenação do Brasil pela Cedaw. Mas, segundo ela, pouco mudou nos últimos 13 anos.

“Quando o processo de Alyne resultou em sanções, esperávamos que o Brasil aprendesse algo, esperávamos, pelo menos, que outras jovens não passassem por isso, mas Rafaela passou”, destacou, lembrando o caso da jovem Rafaela Cristina de Souza Santos, 15 anos, que morreu em abril deste ano ao dar à luz em um hospital da prefeitura do Rio.

“Como se explica ela fazer pré-natal e morrer de eclâmpsia [problema que poderia ser evitado com procedimentos diferenciados]? As duas morreram da mesma coisa: negligência, causada pelo racismo [institucional].”

As duas gestantes faziam parte do que o Comitê de Prevenção à Morte Materna do Estado do Rio de Janeiro – órgão responsável por investigar as mortes e apontar mudanças práticas – considera grupo de risco. Ambas eram negras, pobres e jovens, o grupo de mulheres que mais morre por complicações durante o parto no estado.

As duas procuraram atendimento e morreram em um hospital. Rafaela teve pressão alta – que na gestação é chamada de eclâmpsia – passou por uma histerectomia (procedimento em que o útero ou parte do útero é retirada) e teve uma série de complicações. Já Alyne, grávida de seis meses, perdeu o bebê depois de aguardar atendimento por horas e morreu logo depois de entrar em coma.

A coordenadora do Comitê de Prevenção à Morte Materna do Rio, Tizuko Shiraiwa, explica que as investigações sobre os casos de óbito melhoraram nos últimos anos. Hoje, no estado onde uma mulher grávida morre a cada dois dias, já se sabe que 40% dos óbitos são causados por hipertensão, verificada no caso de Rafaela; por hemorragias, como ocorreu com Alyne; e por infecções e abortos inseguros. Ela reconhece, entretanto, que o atendimento deixa lacunas.

“Temos falhas desde o pré-natal, na identificação precoce da hipertensão, por exemplo, até as intercorrências na hora do parto”, citou. A solução, avalia, é a capacitação dos recursos humanos e a difusão de boas práticas no atendimento.

O comitê também destaca que os dois casos, pelo perfil das vítimas, deveriam ter sido tratados com a máxima atenção desde o pré-natal e do início das consultas que podem identificar complicações na gestação. A mortalidade entre as mulheres grávidas de cor preta é sete vezes maior que as de pele branca. Em geral, segundo o Ministério da Saúde, mulheres negras recebem ainda menos tempo de atendimento do que uma mulher branca.

A morte de Rafaela Cristina de Souza está sendo investigada pela prefeitura do Rio de Janeiro, que não comenta o caso, assim como o Ministério da Saúde. Em maio, mais de 80 organizações de direitos humanos fizeram uma carta pública cobrando responsabilidades pela morte da jovem.

A família de Alyne Pimentel também aguarda justiça. A Casa de Saúde Nossa Senhora da Glória, onde a jovem fez um parto induzido depois de descobrir que o feto de seis meses já estava morto, permanece conveniada ao sistema público. À época, a unidade não contava com banco de sangue, unidade de terapia intensiva ou ambulância. Esses equipamentos poderiam ter salvado a vida da jovem, na avaliação da advogada do caso, Beatriz Galli. “A morte da Alyne foi desencadeada por vários fatores que terminaram tragicamente”, destacou Beatriz, que é integrante do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem).

O caso de Alyne é julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio que analisa um pedido de indenização para a filha dela que à época tinha seis anos. A menina foi criada pela avó, faxineira. O processo aguarda relatoria da desembargadora Norma Suely Fonseca Quintes.