Manifestações mostram crise sistêmica na política, dizem especialistas

Publicado em 14/03/2016 - 11:05 Por Ana Cristina Campos – Repórter da Agência Brasil* - Brasília

São Paulo - Manifestação na Avenida Paulista, região central da capital, contra a corrupção e pela saída da presidenta Dilma Rousseff (Rovena Rosa/Agência Brasil)

São Paulo - Manifestação na Avenida Paulista, região central da capital, contra a corrupção e pela saída da presidenta Dilma Rousseff Rovena Rosa/Agência Brasil

As manifestações ocorridas nesse domingo (13) no país mostram que o Brasil vive uma crise sistêmica na política, na avaliação de especialistas ouvidos pela Agência Brasil.  

Apesar de o foco dos atos ter sido a crítica à corrupção, ao governo da presidenta Dilma Rousseff e ao PT, o professor de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo (USP), Pablo Ortellado, disse que a crise não é apenas do mandato da petista. “A Dilma é expressão máxima, mas acho que a gente não vai ter estabilidade tão logo. O que está movendo a mobilização é a investigação da Lava Jato, que é muito transversal a todos os partidos políticos. A investigação afeta PT, PMDB e PSDB. Isso já está gerando uma crise sistêmica e vamos ver que solução o Brasil vai encontrar para isso, porque estamos com poucos atores [políticos] com legitimidade”, disse Ortellado, que esteve na mobilização de ontem na capital paulista e estuda os protestos de rua em São Paulo nos últimos anos.

Para o professor da USP, o fato de políticos terem sido vaiados e hostilizados na manifestação realizada na Avenida Paulista, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB) e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), mostra que os manifestantes estão insatisfeitos com todos os partidos políticos. 

“A desconfiança não está apenas no PT. Para os manifestantes, o PT é um caso máximo e muito grave de corrupção, mas a corrupção é sistêmica e está espalhada por todos os partidos políticos. A desconfiança não está apenas nos partidos políticos, mas também nas suas principais lideranças. Poucos escapavam desse sentimento e é isso que a gente viu mais uma vez aqui [em São Paulo]. Quando os políticos se arriscaram a tentar ter um papel mais proeminente e subir nos carros de som, foram impedidos. Essa é uma novidade desse processo porque esta foi uma manifestação que foi chamada por partidos políticos também, não apenas por grupos da sociedade civil”, afirmou Ortellado.

Para o professor Ortellado, a instabilidade política pode gerar uma situação preocupante. “Isso pode abrir para uma situação muito perigosa para algum aventureiro se cacifar com um discurso antipolítico. Foi o que aconteceu na Itália com o [ex-primeiro-ministro Silvio] Berlusconi ou o que está acontecendo nos Estados Unidos agora com o [pré-candidato presidencial republicano Donald] Trump. Uma pessoa que vem de fora do sistema político que busca consertar isso, mas sem programas políticos claros”.

Falta de representatividade

O cientista político Márcio Malta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), também acredita que a crise política é estrutural. “É uma crise estrutural em termos de uma falta de representatividade em relação a todos os políticos: o Cunha [Eduardo Cunha, presidente da Câmara], o Temer [Michel Temer, vice-presidente da República], o PSDB, o PT. É como se falassem: não nos sentimos representados por esses políticos no Planalto e no Congresso. Parte da população que está indo para as ruas repudia também esse tipo de comportamento de alguns políticos que tentam tirar proveito nesse tipo manifestação”, disse.

Para Malta, o país está sem uma agenda. Na avaliação do cientista político, a saída passa por ações propositivas, reforma política e financiamento público de campanha efetivos. “A classe política tem responsabilidade: tem que entender essas manifestações pelo viés do que está levando as pessoas às ruas e por que tantas pessoas estão insatisfeitas com o governo. O quadro é bastante complexo, mas é preciso respeitar a Constituição”.

Segundo o professor da UFF, um outro fator que aumenta a insatisfação da população é a crise econômica. “Ela é decisiva. À medida que a classe média perde poder de consumo, também essa insatisfação e indignação crescem. Mas as instituições não podem ser abaladas, por exemplo, por uma crise econômica. Tem que respeitar o rito de um presidente eleito e a oposição, se estiver insatisfeita, que se organize e dispute uma próxima eleição”, afirmou.

O professor titular de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Carlos Ranulfo, ressaltou que as palavras de ordem das manifestações de rua não podem se sobrepor à Constituição. “Tantos milhões de pessoas na rua não muda o caráter de que não há um fundamento legal para que se ocorra um impedimento. Se ocorrer afastamento, será um afastamento político”, afirmou Ranulfo. “Nesse caso, estaríamos vivendo aqui um chavismo às avessas, aquilo que o chavismo lançou, na Venezuela, que a pressão das ruas vale tudo, inclusive acima da Constituição”, avaliou o professor.

Demonização da política

O cientista político Michel Zaidan, professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), alerta para os riscos da demonização generalizada da política e dos partidos, o que abriria margem para o surgimento de soluções autoritárias.

“Essa demonização da política pode resultar numa tentativa de se estabelecer um regime autoritário, um regime que se coloque apolítico, um regime que se valha da frustração com a política, que se diga apolítico, apartidário, acima do bem e do mal”, disse Zaidan, citando o fato de políticos de partidos de oposição terem sido hostilizados durante as manifestações. “Esse é o perigo maior que temos. Num desgaste prolongado da política, só podem aparecer pescadores em águas turvas. A história está cheia de exemplos.”

Para o cientista político Cristiano Noronha, vice-presidente da Arko, consultoria especializada em realizar análises de conjuntura para o setor privado e que acompanha de perto as votações no Congresso, as manifestações servem para pressionar o Congresso a analisar com celeridade o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. "O início do funcionamento da comissão que vai analisar o impeachment começa bastante pressionado por esse movimento das ruas."

*Colaborou Felipe Pontes. Texto atualizado às 17h01 para acréscimo de informações

Edição: Carolina Pimentel

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