Vinte anos após morte do filho pela PM, pai diz que crime não pode ser esquecido
Vinte anos depois da morte do filho em uma ação da Polícia Militar, o pai de Maicon de Souza da Silva, José Luiz Faria da Silva, acampou em frente ao prédio do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para pedir a reabertura do processo contra os policiais envolvidos na morte do menino, que tinha dois anos e meio.
Maicon foi morto em 1996, durante troca de tiros entre criminosos e policiais do 9º Batalhão da PM de Rocha Miranda, na comunidade de Acari, zona norte do Rio. O crime prescreveu hoje (15), mas Silva disse que vai lutar para que a morte do filho não seja esquecida.
“No dia 15 de abril de 1996, às 16h45, Maicon brincava na porta de casa quando uma viatura entrou na comunidade. Em um beco, encontrou com quatro ou cinco bandidos que efetuaram alguns disparos. Ao revidar, a polícia entrou no beco sem olhar e acabou atingindo o Maicon”, disse o pai do menino, que recebe apoio jurídico das organizações Anistia Internacional, Justiça Global e Projeto Legal.
Silva recebeu cerca de R$ 143 mil do total de R$ 164 mil da indenização devida pelo governo do Rio de Janeiro, mas os culpados pela morte do filho nunca foram punidos.
Anistia Internacional
A assessora de Direitos Humanos da Anistia Internacional, Renata Neder, disse que na época do crime, existia no Rio de Janeiro uma gratificação chamada de “faroeste”, que recompensava policiais pela repressão a criminosos.
“Era uma bonificação, uma gratificação financeira dada aos policiais que promoviam mortes. E os policiais que promoveram a morte do Maicon receberam essa gratificação”. De acordo com a Anistia Internacional, além de receberem o bônus, os agentes envolvidos no caso não foram responsabilizados nem investigados pela morte do menino.
Segundo Renata, as mortes desse episódio foram registradas como autos de resistência, feitos pelos próprios policiais. “Só que ele [policial] diz que ocorreu no contexto de confronto, que foi em legítima defesa, esse tipo de coisa”. A assessora disse que a investigação deveria ter apurado se houve confronto de fato, se a morte de Maicon foi resultado de imperícia dos policiais ou uma execução deliberada.
Crimes em Acari
Renata lembrou outros crimes na comunidade de Acari que também terminaram sem solução. No dia 26 de julho de 1990, por exemplo, onze jovens da favela foram retirados de um sítio em Suruí, bairro de Magé, onde passavam o dia, por homens que se identificaram como policiais. Os jovens foram levados um local abandonado e até hoje seus corpos não foram encontrados.
Em 15 de janeiro de 1993, a líder do grupo conhecido como Mães de Acari, a diarista Edméia da Silva Euzébio, mãe de um dos jovens sequestrados, foi morta a tiros no estacionamento do metrô da Praça Onze, centro do Rio de Janeiro.
Relatório da Anistia Internacional divulgado no ano passado denuncia as mortes violentas na comunidade ao longos dos últimos anos. “Na semana passada, cinco pessoas foram mortas pela polícia em Acari”, destacou Renata.
“Existe um problema com os policiais que fazem o policiamento dessa área. Todo mundo sabe que aquele batalhão tem o maior índice de letalidade do estado e a Secretaria de Segurança Pública não faz nada”, denunciou a assessora de direitos humanos da organização. O 9º BPM acabou sendo desmembrado. Atualmente, quem cuida da segurança em Acari é o 41º BPM.
Apesar da prescrição do caso de Maicon, a assessora da Anistia Internacional disse que o assunto não está encerrado e será levado à Organização dos Estados Americanos (OEA). “Há a prescrição criminal, mas várias ações que seguem em andamento”, segundo Renata. “Queremos continuar obtendo informações, queremos saber de quem foi a responsabilidade, se houve negligência do Ministério Público”, acrescentou.