logo Agência Brasil
Geral

Entidades temem que nova regra reduza interesse de médicos em trabalhar em UPA

Pelas novas regras, as UPAs poderão funcionar com um médico por turno,
Débora Brito – Repórter da Agência Brasil
Publicado em 04/02/2017 - 08:49
Brasília
UPAs
© Marcelo Camargo/Agência Brasil

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante, em Brasília (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Núcleo Bandeirante, em BrasíliaMarcelo Camargo/Agência Brasil

A redução das exigências para garantir a abertura das unidades de Pronto Atendimento (UPAs) que estão construídas, mas sem funcionar, motivou críticas de instituições médicas e especialistas em saúde coletiva. Um mês depois de publicada a portaria que instituiu as novas regras, a Agência Brasil procurou especialistas no tema, visitou UPAs e conversou com gestores e pacientes para saber como as mudanças podem interferir no funcionamento desses equipamentos públicos.

As entidades médicas temem que as mudanças reduzam o interesse dos profissionais de saúde em trabalhar nos serviços públicos de urgência e emergência, prejudicando o atendimento ao público.

No fim do ano passado, o Ministério da Saúde anunciou mudanças nas diretrizes que definem os modelos e o financiamento das UPAs para facilitar a abertura de 165 unidades que se encontram fechadas devido à dificuldade de contratação de médicos, entre outros fatores.

Pelas novas regras, que entraram em vigor no dia 4 de janeiro, as UPAs poderão funcionar com um médico por turno, e não dois, como se exigia anteriormente. O número de profissionais trabalhando nas UPAs será definido pelos gestores locais e independerá do porte do município e das unidades.

As novas normas preveem ainda que a UPA de menor porte tenha no mínimo sete leitos de observação e dois de urgência. Anteriormente, os leitos de urgência não eram obrigatórios.

Para os médicos, mesmo em unidades com pouca demanda, a permanência de apenas um profissional por turno pode acarretar problemas no atendimento.

O diretor executivo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Tiago Henrique dos Santos Silva, que já trabalhou em uma UPA do interior de São Paulo, teme que aumente o tempo de espera dos pacientes. “Imagina um médico sozinho atendendo nove leitos, mais a porta de entrada. Vai duplicar, triplicar as filas de espera. É um retrocesso enorme”, afirma Silva.

Criação

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia, em Brasília (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Samambaia, em Brasília (Marcelo Camargo/Agência Brasil)Marcelo Camargo/Agência Brasil

Criadas em 2013 como intermediárias dos serviços de atenção básica e hospitalares, as UPAS devem funcionar por 24 horas e acolher casos que não podem ser atendidos nos postos de saúde, mas que não são graves o suficiente para necessitar de intervenção hospitalar. Com as novas regras, os especialistas argumentam que a UPA poderá perder o sentido para o qual foi criada, o de aliviar a rede de atendimento de urgência e emergência.

“A UPA é uma unidade de pronto atendimento. A medida [nova portaria] vai reduzir a resolutividade dessa unidade, ou seja, diminuindo a capacidade de atendimento, as pessoas vão ter seus problemas de saúde menos solucionados”, afirmou o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Mário Scheffer.

Especialista em planejamento e gestão em saúde e professor da Universidade de São Paulo (USP), Scheffer coordenou a última edição da pesquisa Demografia Médica. Entre outros resultados, o estudo revela que mais da metade dos médicos sofrem com sobrecarga no trabalho.

De acordo com o estudo, é três vezes mais fácil encontrar um médico no setor privado do que no Sistema Único de Saúde (SUS). Mais da metade deles acumula atuação nas esferas pública e privada. “Abrir uma UPA com número insuficiente de médicos vai sobrecarregar os profissionais. Eles não ficarão. Certamente, haverá alta rotatividade e baixa adesão de médicos, que não vão se submeter a essas condições”, alertou Scheffer.

O diretor do Cebes também teme que o atendimento da população fique prejudicado. “A população vai voltar a procurar os grandes hospitais, porque as filas das UPAs serão impraticáveis. Hoje, a espera da UPA já é de duas horas em média e deve aumentar bastante”, enfatizou Tiago Henrique Silva.

Segundo os médicos, outra perda seria a ausência de especialistas nas UPAs. Em muitas unidades trabalham um clínico geral e pelo menos um pediatra, um obstetra, um cardiologista e, em alguns casos, um ortopedista.

“[A nova regra] pode afastar o interesse dos médicos, porque vai piorar as condições de trabalho. Se hoje já existe dificuldade para manter os médicos no serviço, imagina agora que vai duplicar a responsabilidade em torno deles. Quem vai acabar se submetendo serão os recém-formados, por um período muito curto de tempo – e aí vai haver alta rotatividade”, ressaltou Silva.

Em nota, o Ministério da Saúde esclareceu que “a finalidade de uma UPA é estabilizar os pacientes e prestar atendimentos de urgência e emergência”. E, somente se necessário, o paciente é encaminhado para um hospital especializado. “Dessa forma, não há que se falar em ausência de especialistas ou prejuízo no atendimento à população”, rebateu.

Gestores

A percepção é compartilhada por representantes dos gestores, segundo os quais, em algumas regiões do país, há grande dificuldade para contratar médicos, principalmente especialistas. “A contratação de médicos é uma das dificuldades [para manter uma UPA]. O número total de médicos no Brasil é insuficiente, principalmente nas regiões periféricas. Pesa mais a dificuldade para encontrar médico do que o dinheiro para pagá-lo”, afirmou o presidente da Associação Brasileira de Municípios (ABM), Eduardo Pereira.

Para o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), o impacto da redução do número de médicos nas UPAs vai variar entre as regiões e, para manter a qualidade do serviço, será necessário ampliar os repasses financeiros.

“Tivemos muita dificuldade em conseguir fixar nos municípios um pediatra, um obstetra. Nosso interesse é ter uma equipe completa, trabalhar com segurança, melhorar as condições estruturais, mas, para isso, é preciso ter recurso financeiro, e estamos atravessando um período crítico”, afirmou o presidente do Conasems, Mauro Junqueira.

Oportunidade

Na avaliação do ministério, a nova portaria representa uma oportunidade para que o gestor defina como será o atendimento realizado pela UPA e assim garanta o funcionamento da unidade.

“A flexibilização foi a melhor solução encontrada, em conjunto com os estados e municípios, para que as UPAs comecem a funcionar. Nos próximos meses, teremos unidades novas atendendo na urgência e emergência”, disse o ministro da Saúde, Ricardo Barros, à época do anúncio.

O ministério argumenta que nem sempre o município tinha disponibilidade de profissionais e capacidade financeira para pagar. “Agora, basta ter um médico por plantão que já é permitido o funcionamento da unidade. Desta forma, o financiamento será diretamente proporcional ao número de profissionais atuando, de acordo com a definição de cada gestor local”, diz o ministério em nota.

Outras manifestações

O Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Médica Brasileira se manifestaram imediatamente após o anúncio da nova portaria, publicada em 4 de janeiro. Para as entidades, a medida “representa o predomínio da lógica econômica em detrimento dos direitos individuais e coletivos” previstos na Constituição Federal. Em nota, as organizações alertaram para o risco de aumento da sobrecarga existente no atendimento de urgência e emergência, o que pode prejudicar os médicos, os demais integrantes da equipe de saúde e os pacientes.

A Sociedade Brasileira de Pediatria também divulgou carta aos gestores do Sistema Único de Saúde alertando que crianças e adolescentes estão entre os que podem ser mais prejudicados pela medida. “Não se pode priorizar um cronograma de inaugurações em detrimento da qualidade do atendimento que será oferecido”, diz a carta da instituição.

Para a Sociedade de Pediatria, as novas normas não trarão alívio. “Prevemos estresse e aflição de homens e mulheres, que ficarão por incontáveis horas à espera de uma consulta pelo simples fato de que a quantidade de médicos estará subdimensionada”, diz o texto.

Em ofício enviado à pasta da Saúde, o CFM pediu um encontro com o ministro Ricardo Barros para tentar inibir os efeitos da nova portaria. “Se esgotar o diálogo administrativo, vamos analisar no nosso setor jurídico quais as outras medidas que seriam cabíveis”, afirmou o presidente do CFM, Carlos Vidal.