Dois anos depois, atingidos por barragem em Mariana ainda não foram indenizados
O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Mineradora Samarco, afetou pelo menos 500 mil pessoas ao longo de 670 km de curso d'água da Bacia do Rio Doce. O número inclui desde pessoas que tiveram familiares mortos e casas destruídas até os que sofreram a interrupção do abastecimento de água em 39 municípios.
A tragédia provocou uma avalanche de processos judiciais, levou à criação de ações civis públicas e criou a necessidade de vários tipos de indenização. A situação mais crítica é a dos atingidos de Mariana, onde os rejeitos provocaram os maiores estragos. Um acordo para ampliar quem tem esse direito e estabelecer de que forma será calculada a indenização só foi fechado no último mês de outubro.
A maior dificuldade das vítimas, segundo a Comissão de Atingidos da Barragem de Fundão, é a definição do que faz da pessoa uma atingida. São casos como o de Marlene Agostinho Martins dos Reis, de 45 anos, que morava na cidade de Mariana, mas tinha a mãe morando em um sítio em Pedras, povoado do mesmo município que foi atingido. Embora a lama não tenha afetado a casa de Marlene, mudou sua vida. Manicure e cabeleireira, deixou o serviço depois da tragédia para cuidar da mãe. A idosa sofreu danos psicológicos severos e sua hipertensão ficou descontrolada.
Ela argumenta também que perdeu acesso a alimentos com o soterramento do sítio. “Quando eu vou na reunião com os funcionários da Samarco, perguntam assim: o que você perdeu? Eu perdi sim, porque eu dependia da minha mãe. Eu moro aqui em Mariana, mas verdura eu não comprava. Não comprava frango, ovos, fruta, queijo, leite. Verdura fresquinha, peixe. Meu tio tinha uma lagoa lá do tempo do meu bisavô. E lá a gente pescava, no rio, na lagoa. Então era uma coisa maravilhosa da gente. A gente perdeu tudo”.
Cadastro
A análise dos perfis, para saber se a pessoa tem direito à indenização por dano moral ou material, é feita pela Fundação Renova, criada para executar as metas previstas no Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre a Samarco, suas acionistas Vale e BHP Billiton, a União e órgãos estaduais de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Quem passa nessa triagem vai para o cadastro, o que significa que a Renova reconheceu o direito daquela pessoa de receber um valor pelo que sofreu. Os critérios para a negociação em toda a região, com exceção de Mariana, são danos morais, danos materiais e lucro cessante, que corresponde à renda que a pessoa deixa de ter até que restabeleça sua atividade profissional. Um exemplo seria um comerciante que perdeu sua loja.
Em Mariana, uma ação civil pública foi movida pelo promotor Guilherme Meneghin, do Ministério Público de Minas Gerais, que conseguiu um acordo mais amplo com a comunidade. A medida passou a assegurar a indenização a pessoas que moravam de aluguel nesses locais e, depois, quem tinha residência em outras regiões, mas trabalhava nos distritos destruídos, ou seja, perdeu sua fonte de renda.
“Eles aceitaram a proposta do MP, e qualquer pessoa atingida pode preencher o cadastro”, informa o promotor. Após a inclusão na lista, são estabelecidos critérios para o cálculo de indenização, com base no que foi citado como prejuízo. “Vamos pactuar valores comuns para cada dano”, afirma Meneghin. A Renova quer fazer o pagamento no primeiro semestre de 2018, na mesma época das demais indenizações já acertadas ou a serem pactuadas em outras regiões.
Até então, já tinha sido antecipada parte da indenização, de forma padronizada: R$ 10 mil para quem tinha casa para uso no fim de semana, R$ 20 mil para os moradores que perderam residência e R$ 100 mil para famílias de pessoas mortas pelo rejeito da Samarco.
Auxílio emergencial
Por enquanto, antes do pagamento da indenização, as pessoas aceitas no cadastro recebem um auxílio emergencial e mensal estabelecido em um salário mínimo, mais 20% desse valor para cada dependente, além do dinheiro correspondente ao preço de uma cesta básica. Foram distribuídos 8.274 cartões de pagamento para atender cerca de 20 mil pessoas. Mas também existem casos de dificuldade para acessar essa reparação, inclusive entre moradores de local atingido pela lama.
Adelina Aparecida Coelho Rola, de 52 anos, produtora rural do disitrito de Gesteira, fazia bordado para vender em uma feira, em parceria com uma senhora na cidade de Barra Longa. O rejeito destruiu a casa de sua parceira, levando toda a produção embora. “Na terça-feira nós tínhamos arrematado um monte de panos de prato para a feira. A lama levou tudo. E ela não tem mais condições de voltar a trabalhar. Veio uma depressão danada, e veio o câncer no marido, que acabou falecendo”, conta.
O rejeito também chegou na casa de Adelina, tomando o pasto onde ficava o gado de seu marido, Rafael Arcanjo Rola. Ele recebeu silagem para compensar a falta de alimento dos animais e foi instalada uma fossa ecológica piloto na propriedade, mas Adelina nunca recebeu o auxílio. “Tentei, uns falaram que eu demorei, ou que eu fui avaliada que não precisava do cartão. Aí não quis insistir”.
Informalidade
A Renova respondeu que o caso de Adelina está em análise, mas o líder do Prgrama de Indenização Mediada da instituição, Gabriel Rossoni, argumenta que um dos maiores problemas é a informalidade. A maioria da população atingida não tinha como comprovar renda, tanto para o caso do auxílio emergencial como para a indenização geral. “Para que a gente conseguisse viabilizar essa indenização, nós criamos políticas de indenização, como é o caso dos pescadores, os areeiros, o comércio de turismo e serviços”, diz.
No caso dos pescadores, por exemplo, foram consultados especialistas e instituições ligadas à pesca para determinar o ganho médio de cada função. Assim, a negociação é feita com base em uma tabela de remunerações. Casos isolados, de categorias que não são numerosas, no entanto, são analisadas caso a caso.
“Sabemos que podem existir falhas, e se tiver erros vamos corrigir o quanto antes. Se for o caso, para alguns tipos de impactados ainda não contemplados, vamos buscar alternativas, desde que se garanta a justiça. Naturalmente, se alguém não ficar satisfeito, pode recorrer à Justiça também”, afirma Rossoni. A expectativa da Renova é que a primeira campanha do cadastro finalize todas as negociações em dezembro deste ano e que os pagamentos dos danos gerais sejam efetuados até março de 2018.
Depois de extenso debate com a comunidade, ficou acertado que o auxílio emergencial recebido nos últimos dois anos não será descontado da indenização geral. Era intenção da Renova fazer o desconto, mas a população protestou. Os auxílios pagos daqui para frente, no entanto, não entram nesse acordo, segundo a Fundação.
Abastecimento de água
Também existe uma indenização para moradores de municípios com abastecimento de água prejudicado pela lama. É nesta categoria que está a maioria da população que deve ser indenizada: 450 mil pessoas, estimativa baseada no número de habitantes da região afetada. A avalanche de ações na Justiça veio desse segmento: foram mais de 50 mil processos só em Governador Valadares (MG) e mais de 20 mil em Colatina (ES), ambas no Vale do Rio Doce.
Para que o acordo seja feito direto com a Renova, extrajudicialmente, a pessoa assina um contrato que isenta a instituição de um processo judicial futuro pelo mesmo dano provocado na interrupção do abastecimento de água, tanto moral (como passar horas em uma fila para conseguir um galão de água) como material. Só continuam a correr na Justiça as ações ligadas a outros tipos de prejuízo. Mais de 251 mil pessoas já aceitaram proposta da instituição e R$ 167 milhões já foram pagos.
Dois anos depois, já foram pagos R$ 500 milhões, incluindo indenizações, antecipações, cartão auxílio e pouco mais de 200 negociações de danos já finalizadas. A Renova calcula gastar entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões com essas reparações. Tomando como base o número menor, o que já foi pago corresponde a 25% do total a ser empregado.
*A repórter viajou a convite da Fundação Renova
Dois anos do desastre ambiental de Mariana