Pesquisa espacial: “Estamos no caminho errado”, diz astrônoma

Duília de Mello fala sobre pesquisa espacial e divulgação científica

Publicado em 18/08/2019 - 15:00 Por Gilberto Costa – Repórter da Agência Brasil e Victor Ribeiro – Repórter da Rádio Nacional - Brasília

Uma pesquisa de opinião divulgada em junho, feita junto a 2.206 pessoas de 15 a 24 anos, revelou que 93% dos jovens de todo o país não sabem o nome de nenhum cientista brasileiro. O levantamento, disponível na internet, acendeu um sinal amarelo entre as pessoas que fazem divulgação científica.

Levar a ciência a pessoas leigas, instigar a curiosidade das crianças e, em especial, o interesse pela pesquisa científica nas meninas tem sido parte da missão iluminista que a astrônoma e astrofísica Duília de Mello, 55 anos, paulista criada no Rio de Janeiro, tomou para si quando passou a ser considerada uma das pessoas mais influentes em seu campo de trabalho.

Duília já morou no Chile, na Suécia e nos Estados Unidos, onde trabalhou na agência espacial americana (Nasa). Atualmente, mantêm-se como pesquisadora associada à agência, e é também professora titular, vice-reitora e decana de Avaliação na Universidade Católica da América em Washington D.C., capital dos EUA.

A cientista esteve, na última semana, na Universidade de Brasília, para abrir o semestre letivo e fazer divulgação científica, quando atendeu a Agência Brasil para a seguinte entrevista:

Agência Brasil: O mundo resolveu desacreditar na ciência?
Duílla de Mello: Estamos passando por um momento muito difícil, de descrédito. As pessoas acham que ciência é religião, que se acredita ou não se acredita. Não é assim. Ciência é baseada em fatos, não precisa de crença. O fato existe, a gente interpreta o fato com método científico. É com muita tristeza que vejo esse passo que a humanidade está dando. Tenho impressão que isso é passageiro, que é só uma regressão que estamos vivendo porque houve um certo descuido, principalmente, dos cientistas que precisam comunicar a ciência todos os dias ao público, e precisa educar o jovem para a ciência. Os cientistas no mundo todo acharam que a escola estava educando o suficiente e demonstrando a importância da ciência. Espero que todos os cientistas acordem, porque passou da hora de comunicar a ciência. É uma coisa muito difícil, não é todo mundo que tem talento de passar conhecimentos difíceis para uma linguagem simples.

Agência Brasil: E paciência para lidar com jornalistas...
Mello: Pois é. Muita gente perde a paciência porque interpretam errado as palavras que a gente fala e aí saem umas coisas erradas. Mas é preciso continuar falando até sair certo.  Hoje, com o alcance da mídia social, a gente pode comunicar para muitos ao mesmo tempo. É complicado [porém] com as notícias falsas. Eu nunca pensei que tivesse de explicar em pleno século 21 que a Terra é redonda ou que as vacinas fazem bem! As pessoas se esqueceram da história da humanidade. A gente precisa lembrar.

Agência Brasil: A senhora atua para despertar o interesse pela ciência, especialmente, das meninas. Isso tem melhorado?
Mello: Tem melhorado no mundo todo, mas cada país vai com um passo diferente. No Brasil, sempre foi um pouquinho melhor do que em outros lugares.

Agência Brasil: Por quê?
Mello: A gente não sabe exatamente os motivos. Mas veja o que acontece, por exemplo no norte Europa. É um absurdo! Eu fui a uma defesa de doutorado na Suécia que só tinha duas mulheres, eu e a mãe do homem que estava defendendo a tese. Havia 80 homens no auditório. Eu fui para a Suécia em um programa de balanço de gênero, para melhorar o número de mulheres nas engenharias e na ciência... É mundial o problema, não é só brasileiro. Nos Estados Unidos, a gente faz um trabalho muito grande com as meninas nas escolas. Não pode esperar virar adolescente. Tem que ser com criança. Na hora que vira adolescente, quer fazer aquilo que sua amiguinha está fazendo. A gente precisa mostrar às meninas que mulher pode fazer o que quiser, desde que ela goste daquilo. Eu tenho certeza que a mulher gosta da engenharia e da ciência também. Ela só não despertou porque não foi motivada. Eu vejo meninas pequenas, criancinhas, interessadas em foguete, no céu e na Lua. Tem uma frase em inglês que diz assim “we are what we see”, “a gente é o que a gente vê”. É preciso mostrar às mulheres na ciência para as meninas e para os meninos também. Quando a gente faz isso, mostra que não existe nenhum problema de gênero. Eu sou esperançosa e já vejo uma mudança disso. Interessante é que em países latinos têm mais mulher na ciência. Muitas vezes, as pessoas têm medo de fazer ciência porque acham que vão morrer de fome, que não vão arrumar emprego. A gente precisa mostrar que não é verdade isso.

Agência Brasil: A senhora trabalhou com o Hubble. Qual o legado do telescópio espacial?
Mello: O Hubble veio para substituir a Missão Apollo. Ele, junto com o ônibus espacial, era o carro-chefe da Nasa. O Hubble fica orbitando a terra e vê o universo acima da nossa atmosfera, que atrapalha a visão das luzes das estrelas. Ele está a cerca de 600 quilômetros de altitude, de onde fica olhando o universo. O Hubble fez, em abril, 29 anos - era para ter feito só 15 anos - uma história de sucesso. Ele nos ensinou coisas que não havia a mínima ideia, como a evolução das galáxias, a formação de planetas. O Hubble nos ensinou como que as nuvens formam estrelas. Mostrou muita coisa do sistema solar. A gente viu cometa colidindo com Júpiter, a gente viu isso quase que ao vivo. O Hubble tem papel importantíssimo de desvendar o universo. O telescópio também tem suas limitações. Ele é relativamente pequeno, e enxerga uma área do céu pequena.

Agência Brasil: O Hubble tem parcerias para uso de inteligência artificial?
Mello: O Hubble tem um programa que se chama Ciência do Cidadão, Citizen Science, que é para ajudar a classificar, por exemplo, as galáxias ou discos protoplanetários [formados basicamente por gases]. São muitas imagens, e é preciso a ajuda do público para fazer isso. Também usa o machine learning que é um processo de inteligência artificial para classificar os objetos. O Kepler, que é um satélite que descobre planetas ao redor das estrelas, faz isso também muito bem.

Agência Brasil: O que as descobertas recentes sobre buracos negros agregam para a pesquisa espacial?
Mello: Os buracos negros sempre fascinaram. Era uma previsão teórica do [Albert] Einstein, que durante um século, praticamente, os cientistas tentaram ver. Tínhamos evidências indiretas, mas não tínhamos uma foto. O horizonte de eventos [fronteira ao redor de um buraco negro] mostra a parte mais próxima a um buraco negro, os arredores. Isso comprova todas as teorias que a gente tinha sobre formação de buraco negro. Não podemos confundir os buracos negros estelares com os buracos negros super massivos, que têm até bilhões de vezes a massa do Sol e vivem no interior das galáxias. Os buracos negros estelares, também previstos por Einstein, são fruto da evolução das estrelas muito massivas que explodem as supernovas. Depois o que sobra entra em colapso e forma um buraco negro central. Não temos fotos desses buracos negros, mas temos evidências de que existem. Por exemplo, se tiver estrela do lado, essa começa a perder massa – que está indo para o buraco negro vizinho. A gente consegue detectar aquecimento na região examinada.

Agência Brasil: Que hipóteses explicam a expansão e o aceleramento do universo?
Mello: Foi descoberto há cerca de dez anos que o universo não está apenas se expandindo, como também está acelerando. Isso nos faz eliminar hipóteses de que o universo começou com o big bang, com uma grande expansão, e que depois um dia entraria em colapso em um ponto central novamente. A gente já sabe que isso não vai acontecer. O universo está acelerando e isso é um caminho sem fim. O universo vai continuar expandindo para sempre. Como se descobriu que ele está acelerando? A observação das estrelas, que explodiram a muitos e muitos bilhões de anos atrás, verificou que a velocidade delas tinha aceleração. A aceleração é produzida por uma massa que a gente não vê. Essa massa, chamamos de energia escura. A energia escura é o grande desafio das próximas décadas. Quando a gente faz as contas, dá que mais de 70% do universo seria feito de energia escura. Se a gente somar isso com a matéria escura ao redor das galáxias, que faz parte da massa das galáxias e somam 25% do universo, temos 95% do universo. Então, tudo que a gente estuda na astronomia é só 5%. Estamos no caminho errado. Temos que estudar o resto.

Edição: Liliane Farias

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