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Insônia: especialistas alertam para riscos de remédios inadequados

Medicamentos para o sono sem prescrição podem causar efeitos negativos
Ludmilla Souza - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 16/04/2023 - 13:05
São Paulo
Insônia, quarentena, pandemia, coronavírus, covid 19
© Marcello Casal jr/Agência Brasil

“Minha insônia começou quando mudei de trabalho e passei a ficar 100% home-office” [escritório de casa]. O que poderia ser uma facilidade foi o início dos episódios de insônia para a jornalista Poliana Bollini Marques, de 49 anos. “Apesar de todas as facilidades e de não precisar mais acordar antes das seis horas da manhã, meu horário de dormir ficou bem complicado e só conseguia adormecer por volta das três da madrugada”, recorda.

Poliana conta que ficou um tempo sem se tratar. “Fiquei um bom tempo assim e atribuindo a insônia a mudança no trabalho. Eu simplesmente não tinha sono. Até hoje é muito raro. Mesmo quando ia dormir tarde e acabava acordando cedo, durante o dia não sentia – e ainda não sinto - sono”.

O Estudo Epidemiológico do Sono de São Paulo (Episono), conduzido pelo Instituto do Sono, apontou que 45% das pessoas queixam-se de insônia ou dificuldade para dormir em São Paulo. A mesma pesquisa revelou que 15% dos paulistanos sofrem de insônia crônica.

A insônia é definida com a insatisfação em relação à qualidade e\ou quantidade de sono, podendo se manifestar como a dificuldade em iniciar o sono, assim chamada de insônia inicial; dificuldade em manter o sono: presença de despertares ao longo da noite, chamada de insônia de manutenção; ou pode se manifestar por um despertar antes do horário previsto, com dificuldade de retornar ao sono, chamada de insônia do despertar precoce.

“A insônia crônica é quando acontecem episódios pelo menos três vezes por semana durante o mínimo de três meses, com consequências diurnas, associada à perda de concentração, alteração de memória, irritabilidade, perda de produtividade, normalmente consequências desse sono fragmentado”, explica a pneumologista e especialista em sono Luciane Luna de Mello, do Instituto do Sono. Um período inferior a este, isto é, por um mês ou menos é insônia aguda.

A insônia pode estar associada a outras doenças como depressão, ansiedade, doenças neurológicas e situações de dores crônicas, por exemplo. “Além disso, também pode estar associada a hábitos, comportamentos inadequados que não favorecem o relaxamento e o início do sono como o uso de excessivo de telas - especialmente próximo do horário de dormir, consumo excessivo de café ou bebida alcoólica, alimentação pesada ou gordurosa antes do horário de dormir”, disse a neurologista Marcia Assis, vice-presidente da Associação Brasileira do Sono (Absono).

A prática de atividade física próxima ao horário de dormir e as condições do ambiente de dormir como temperatura e ruídos, ou ainda ter um parceiro de cama que ronca, podem perturbar o sono, completa a neurologista. “Até mesmo outra doença do sono pode estar associada à insônia e causar a piora da qualidade do sono como a Apneia do Sono”, acrescenta a neurologista.

Impactos

“A insônia tem um impacto absolutamente importante na sociedade, impacta no dia a dia, na produtividade e na saúde das pessoas”, alerta a médica Luciane Luna de Mello, do Instituto do Sono. Segundo a especialista, a insônia ainda pode diminuir a imunidade e piorar a condição clínica. “Esses indivíduos podem ter ainda uma irritabilidade, inclusive com quadros neurológicos ou psiquiátricos associados a esse processo de insônia, que podem gerar processos psiquiátricos. Outras vezes a insônia é gerada por doenças psiquiátricas, como causa secundária”, explica.

Poliana Bollini Marques procurou ajuda quando percebeu os prejuízos que a falta de sono causava durante o dia. “Muito cansaço, memória ruim, um pouco de irritabilidade e pouca produtividade. Fora o incômodo, tristeza mesmo, de ficar acordada todo dia até às três horas da manhã”, relembra.

Mas, antes de procurar ajuda, ela tentou medicamentos por conta própria. “Fiz uso de melatonina sem prescrição médica. Foram meses tomando e nada de resultados. Achei que melatonina era para insônia, mas hoje eu sei que ajuda em casos de jet lag [mudança de fuso horário que provoca alterações dos padrões de sono], por exemplo. Melatonina não é tratamento para insônia. Além da melatonina, tomei remédios fitoterápicos. Como um só não funcionava, às vezes tomava dois ou três. Nada adiantou”, conta a jornalista.

Mesmo com tantas ofertas de medicações para induzir ao sono, a automedicação não é uma solução a longo prazo, explica a especialista Luciane de Mello. “Muitos indivíduos com automedicação chegam no consultório até viciados em remédios que não vão ser os mais adequados para aquele quadro”.

Entre os medicamentos tomados por conta própria estão os fitoterápicos. “Muitos fitoterápicos não têm o efeito sobre o sono adequado, muitos não têm confirmação científica de que atuam sobre o sono. Na literatura [médica], o que tem uma confirmação melhor é a valeriana [planta medicinal]. Mas tem que ser adequada para um quadro leve de insônia ou para indivíduos mais jovens”, observa Luciane.

A médica adverte que as medicações não são isentas de efeitos colaterais. “É preciso ter cuidados porque toda medicação é substância química e, mesmo a substância natural tem suas substâncias intrínsecas e que vão fazer algum tipo de efeito, algumas consequências relacionadas ao uso indiscriminado e em quantidades que não devem ser usadas”, frisou.

Melatonina

“A melatonina não é uma substância recomendada para o tratamento da insônia”, alerta a neurologista Marcia Assis, vice-presidente da Absono. “A melatonina é um hormônio e não é utilizada para tratar a insônia”.

A especialista esclarece que existem doenças do sono e situações médicas especiais que a melatonina pode ser indicada pelo médico, “porém, não deve ser usada por conta própria e menos ainda para tratar a insônia, pois não é recomendada. A tentativa, sem orientação, de tratar a insônia pode apenas mascarar os sintomas e provocar o estado crônico”, adverte a neurologista.

Márcia ressalta que existem medicamentos aprovados e recomendados para os diversos tipos de insônia, mas que o tratamento considerado padrão ouro para a insônia é a Terapia Cognitivo Comportamental para a Insônia (TCC-I).

“As terapias medicamentosas e não medicamentosas podem ser associadas. Deve-se lembrar que a TCC-I é realizada pelo profissional da psicologia especializado em sono. Além disso, a higiene do sono dever ser estabelecida para os melhores resultados”.  

Tratamentos

Poliana vem se tratando com a TCC, indicação de uma otorrinolaringologista,  especialista em medicina do sono. “Foi um divisor de águas! Ela me orientou, me ensinou sobre a higiene do sono e fiz Terapia Cognitiva Comportamental. Também procurei uma psiquiatra, pois a pandemia prejudicou ainda mais meu sono. Hoje, tomo uma medicação, o cloridrato de trazodona, e faço acompanhamento com a psiquiatra e a psicóloga”.

Para ela, o que falta agora é fazer exercícios físicos, “pois eles ajudam muito em toda a nossa saúde. Além disso, tenho 49 e anos e percebo que estou entrando na perimenopausa. Outra fase que mexe com o sono. Vou incluir a ginecologista nesta etapa como mais uma ajuda para cuidar do meu sono. Me sinto muito melhor, mas ainda tem ajustes, pois as fases da vida estão mudando e é preciso prestar atenção, sempre”, alerta.

A terapia tem como base a higiene do sono, um conjunto de práticas que prepara o organismo para dormir. Entre as orientações, os especialistas indicam aos pacientes sair da cama, quando despertam no meio da noite, ficam ruminando ideias e não conseguem dormir. Em outro ambiente, devem se dedicar a uma atividade relaxante, como a leitura de um livro, meditação ou realizar técnicas de respiração para que mudem o pensamento e consigam adormecer. “Assim, o cérebro vai associar a cama ao sono e não à insônia”, ressalta a médica Luciane Luna de Mello.

Higiene do sono

Para todos que apresentam insônia ou não, cuidar dos hábitos antes de dormir é fundamental para uma boa noite de sono. Baseadas na higiene do sono, as médicas Luciane Luna de Mello e Marcia Assis mostram como hábitos adequados podem ajudar as pessoas a dormir melhor.

• Mantenha uma rotina: estabeleça horários para o sono, a alimentação, os exercícios físicos, o lazer, o trabalho e as atividades com a família.

• Não leve o notebook ou celular para cama: Eletrônicos provocam aumento do estado de alerta, além da luminosidade dificultar o início do sono.

• Desacelere antes de dormir: pelo menos uma hora antes de se deitar faça uma atividade relaxante: tome banho, leia, ouça música, faça meditação ou qualquer outra atividade que ajude a desacelerar.

• Evite permanecer na cama trabalhando, lendo e-mails, assistindo TV. Reserve este momento para atividades que provoquem relaxamento. Deite-se somente quando estiver com sono.

• Evite alimentos pesados e bebidas com cafeína:  faça refeições leves até duas horas antes de deitar. Não tome café, energéticos e chá preto e outras infusões que contêm cafeína à noite.

• Atividade física é uma boa, mas não próximo ao momento de dormir: pratique exercícios com regularidade, mas respeite um intervalo de pelo menos quatro horas antes do horário de dormir.

• Mantenha o local de dormir ventilado, silencioso e escuro. Procure deixar numa temperatura adequada e confortável. Ambientes muito quentes ou frios podem dificultar o início do sono ou provocar despertares durante a noite.

• Verifique seu travesseiro e o colchão, pois a vida útil da maioria deles é de oito a dez anos.

• Evite as bebidas alcoólicas - elas podem causar um relaxamento nas primeiras horas de ingestão, entretanto, ao longo da noite, provocam fragmentação do sono e redução de fases mais profundas de sono. Além disto, o relaxamento do álcool pode agravar o ronco. O tabagismo também prejudica o sono.

• Para aqueles que preferem um cochilo durante o dia, este deve ser curto, no máximo 20 a 30 minutos e após o almoço.

• Evite o uso de medicações para o sono sem a prescrição médica, pois podem causar efeitos indesejáveis e negativos. A ajuda de um profissional é fundamental.