logo Agência Brasil
Internacional

Guerra na Síria pode causar desintegração regional, alertam especialistas

Vladimir Platonow - Repórter da Agência Brasil
Publicado em 12/10/2015 - 19:48
Rio de Janeiro
Síria

Especialistas  temem  que  a guerra  na  Síria  extrapole  as  fronteiras  do  país  e  leve  à  desintegração  da  região

A guerra na Síria, que se prolonga por quatro anos e resultou no maior êxodo de refugiados desde a 2ª guerra mundial, poderá extrapolar as fronteiras do país e levar à desintegração territorial da região. A recente entrada das Forças Armadas da Rússia no conflito, em apoio ao presidente da Síria, Bashar Al Assad, é mais um fator agravante da situação. Do lado oposto, estão os Estados Unidos e outros países que apoiam os rebeldes sírios. O inimigo comum, no momento, é o Estado Islâmico, que trava uma guerra feroz contra ambos os lados, na tentativa de construir seu próprio país, e contribui para desequilibrar o jogo de forças regionais. A avaliação é de especialistas em política internacional ouvidos pela Agência Brasil.

O cientista político Heni Ozi Cukier, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing, explica que a Síria é palco de grande disputa geopolítica de algumas forças, como sunitas e xiitas. E o Oriente Médio está passando por um processo de transformação destrutiva e desintegrativa, acrescenta. “As bases dos alicerces estão ruindo; a região passa por um redesenho das fronteiras, o que implica enfraquecimento da autoridade central.”

“Com isso, temos uma realidade anárquica, que pode ser muito pior do que uma ordem ditatorial. Esse fenômeno leva ao nascimento do Estado Islâmico, que é produto da guerra regional, de divisões étnicas e do enfraquecimento do Estado. Os impactos disso já estão chegando a outros continentes, como é o caso dos refugiados”, ressalta Cukier.

De acordo com o professor, além do processo de desintegração, a região do conflito vai enfrentar mais instabilidade e terá maior probabilidade de guerra com outros países envolvidos. “A situação é tão grave que facilita a participação de outros países de fora da região. A Síria e o Oriente Médio acabam se tornando o centro de gravidade do mundo e tornam-se uma oportunidade para outros países alcançarem objetivos estratégicos, como a Rússia.”

Cukier diz não imaginar que a Rússia entre em confronto direto com os Estados Unidos, mas considera possível que o conflito na Síria vire uma guerra regional muito maior, cruzando as fronteiras do país, e com participação mais ativa desses países. “O redesenho de fronteiras já acontece de fato. É um processo de cantonização, estados se fragmentando, fronteiras mudando, ficando pequenos cantões.”

O professor titular de história contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro Francisco Carlos Teixeira destaca que o envolvimento das grandes potências na guerra síria já vinha ocorrendo, com bombardeios reiterados dos Estados Unidos, da Inglaterra, França e Austrália, durante três anos.

Rússia retoma papel central

“O que se vê é o retorno da Rússia ao cenário internacional como uma grande potência decisiva. Desde a dissolução da União Soviética, o país não fazia uma política externa tão atuante como agora: primeiro na Crimeia, depois na Ucrânia e agora a intervenção em favor do regime de Assad na Síria”, afirma Teixeira.

Ele ressalta a formação de uma aliança para combater o fundamentalismo islâmico, da qual participam Rússia, China, Irã, Iraque e Síria. O professor lembra que a China tem população muçulmana expressiva na província do Xinjiang e que, nos últimos anos, tem havido grande penetração, pela fronteira da Ásia Central, de militantes terroristas islâmicos. Segundo Teixeira, há um número crescente de atentados terroristas desse grupo dentro da própria China. “Entre os islâmicos que estão combatendo na Síria, pelo menos 2.500 são da Chechênia, e o medo da Rússia é que o fortalecimento do califado islâmico leve essa luta para dentro do território dela. [O objetivo é] evitar a expansão de um núcleo islâmico que poderia desestruturar esses dois países.”

Para Teixeira, russos e chineses consideram o regime do Assad o único capaz de manter a Síria íntegra, não fragmentada, e de expulsar os fundamentalistas islâmicos: “O medo dos dois é que aconteça na Síria o que aconteceu na Líbia, onde a deposição de [Muammar] Kadafi levou o país à fragmentação e a se tornar um ninho do fundamentalismo terrorista e porta de saída para milhares de refugiados, em situação pavorosa, para o Mar Mediterrâneo e a Europa.”

Segundo o professor, uma mudança política na Síria, com a ascensão do Estado Islâmico, colocaria em risco os interesses comerciais da China na região, o que justificaria uma possível intervenção chinesa ao lado dos russos. “Se o Estado Islâmico se espalha para o Iraque e o Irã, coloca em risco o abastecimento de petróleo da China. No caso da deposição de Kadafi na Líbia, patrocinada pelos Estados Unidos, pela Françae pela Inglaterra. E a China, que tinha interesses enormes no país, foi expulsa da região. Mais de 3 mil técnicos chineses foram expulsos da Líbia, e a China perdeu as concessões que tinha.”

Teixeira cita outro fator “perturbador” na região: o desejo histórico dos povos curdos de voltar a formar o Curdistão, reunindo em um só país os cerca de 26 milhões de habitantes hoje espalhados principalmente pela Turquia, Síria e pelo Iraque e Irã. “A Turquia é o principal impedimento à criação de um Estado curdo, já que boa parte dessa população vive lá. A autonomia dos curdos no Iraque ou na Síria seria uma ponta de lança para o levante dos curdos no território turco. Daí a Turquia ter apoiado os opositores de Assad e combatido as milícias curdas.”

Procurada para comentar a atual política turca para a região e para os curdos, a Embaixada da Turquia no Brasil emitiu nota na qual diz que os cidadãos curdos gozam de todos os direitos constitucionais e vivem integrados com o resto da população, residindo não apenas próximos da fronteira com a Síria, mas espalhados por diversas partes do país.

A nota diz  ainda que a Turquia não deseja, nem prevê uma guerra total no Oriente Médio, o que representaria a destruição completa da região. “A estabilidade e prosperidade da região é de máxima importância para a Turquia, o que motiva o país a promover avanços nas relações bilaterais com os países da região e também a trabalhar com seus amigos e aliados rumo a este objetivo.”