A poucos dias de deixar o cargo, Barack Obama busca preservar o seu legado

Publicado em 02/01/2017 - 18:50 Por Débora Brito - Repórter da Agência Brasil - Brasília

O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, recebe o seu sucessor, Donald Trump, na Casa Branca (Agência Lusa/Direitos Reservados)

Apesar do aperto de mãos, são profundas as divergências políticas entre o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama e o seu sucessor Donald TrumpAgência Lusa/EPA/Michael Reynolds/Direitos Reservados

Faltando poucos dias para deixar a presidência dos Estados Unidos, Barack Obama tem o desafio de garantir que algumas das principais medidas adotadas na sua gestão tenham continuidade. A partir de 20 de janeiro, os EUA estarão sob a condução de Donald Trump, eleito em novembro com promessas de fazer mudanças radicais em pontos considerados estratégicos.

As declarações de Trump durante a corrida eleitoral e a recente divulgação dos integrantes do seu governo deixaram a equipe de Obama em alerta para o risco de extinção de algumas ações aprovadas nos últimos oito anos. Entre os projetos ameaçados está o “Obamacare”, que visa regular  a ampliação da cobertura de saúde no país.

Ainda esta semana Obama deve se reunir com parlamentares do Partido Democrata para definir estratégias de proteção ao projeto de saúde, considerado uma das maiores conquistas de sua gestão. Contudo, o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Eduardo Viola, especialista em política externa, não acredita que Trump consiga fazer grandes alterações no Obamacare, que já está em funcionamento desde 2010. O próprio Trump chegou a recuar da promessa de revogar o projeto e declarou que pode manter partes importantes da lei.

As mudanças propostas pelo magnata podem ser mais efetivas na área ambiental, principalmente em relação aos acordos para redução das emissões de carbono e a adoção de energias renováveis. “Isso não quer dizer que não há uma lógica de descarbonização nos EUA, porque a redução de carbono garantiu mais competitividade para as empresas nos últimos anos”, salientou Viola.

Segundo ele, Obama ainda pode adotar alguma medida nestas semanas, o problema é a capacidade dessas medidas sobreviverem, já que elas podem ser revertidas, porque há um alinhamento forte entre Trump e os republicanos, que são maioria no congresso”.

O professor avalia que a gestão Trump deve aumentar a exploração de petróleo no país, tendência contrária a que vinha sendo adotada por Obama, que em dezembro retirou as águas dos oceanos Atlântico e Ártico das áreas possíveis para novas concessões de exploração de gás e óleo. No apagar das luzes de seu governo, Obama quer ainda finalizar resoluções que tratam da construção de oleodutos, segundo o jornal Washington Post.

Apesar de concordarem em vários pontos, os dois líderes também tiveram divergêcias ao longo dos oito anos do governo Obama - Foto Divulgação

Rússia

A fase de transição não impediu que o governo Obama tomasse decisões consideradas pela imprensa como “audaciosas e enérgicas”. Na semana passada, mesmo com o presidente em férias no Havaí, o governo americano anunciou sanções à Rússia, pela suposta interferência de hackers russos no processo eleitoral dos EUA, em novembro.

Os EUA expulsaram 35 diplomatas russos do território norte-americano, entre outras medidas de restrição. Esta deve ser uma das únicas ações de Obama que deve ter certo respaldo no governo Trump. “A política amigável de Trump com os russos não tem apoio da maior parte dos republicanos, então essa medida de Obama pode ter efeito mais duradouro”, afirmou Viola.

“É muito grave a escalada do conflito cibernético. O caso das sanções à Rússia é um exemplo, mas não deve ficar só nas sanções. Possíveis respostas materiais devem vir ainda no governo Obama para deixar claro a Vladimir Putin (premiê russo) a reação norte-americana”, alertou o professor. Segundo a Casa Branca, novas medidas contra a Rússia podem ser tomadas nos próximos dias.

Israel 

 

Primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e o secretário de Estado norte-americano John Kerry se encontra em Berlim, na Alemanha. Foto divulgada pelo governo israelense

Segundo o secretário de Estado norte-americano John Kerry (à esquerda), a política de assentamentos adotada pelo governo do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu é uma ameaça a um acordo de paz na região Imagem de divulgação/Israeli Government Press Office

Outra investida de Obama no final de seu governo foi permitir, pela primeira vez, que o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovasse resolução que pede o fim dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Para os Estados Unidos, a manutenção das colônias israelenses em território palestino prejudica a tentativa de viabilizar um acordo de paz na região.

A decisão da ONU provocou reação de Trump, que pretende estabelecer uma relação mais estreita com Israel. A mídia internacional acredita que uma nova proposta de paz entre as duas nações deve ser apresentada pelos EUA na Conferência para a Paz no Oriente Médio, que acontece em Paris no dia 15 de janeiro, cinco dias antes da posse de Trump.

Em pronunciamento recente, Obama destacou que reduziu de 242 para 59 o número de presos em Guantánamo, Cuba, mas lamentou que o Congresso não tenha conseguido aprovar o fechamento definitivo da prisão. Ele deixou a expectativa de que deve transferir mais presos para outros países.

Obama corre contra o tempo ainda para aprovar algumas medidas internas. Segundo artigo publicado na edição dessa segunda-feira (2) no jornal Washington Post, o atual presidente deve conceder nos últimos dias comutações de pena e perdões para condenados por crimes de drogas.

Balanço

A preocupação em preservar seu legado levou Barack Obama a declarar repetidamente nas últimas semanas as principais ações de sua administração. Na tradicional mensagem de Ano-novo da Casa Branca, ele citou a recuperação econômica dos EUA, a inclusão de 20 milhões de americanos no sistema de saúde, a morte de Osama Bin Laden e o acordo climático firmado em Paris entre cerca de 200 países para reduzir os níveis de emissão de gases de efeito estufa.

Presidente Barack Obama cumprimenta o presidente cubano Raúl Castro no Palácio da Revolução, em Havana

Obama cumprimenta o presidente cubano Raúl Castro no Palácio da Revolução, em HavanaMichael Reynolds/Agência Lusa

Outro fato digno de nota do governo Obama foi a histórica reaproximação entre os EUA e Cuba. Ele foi o primeiro presidente americano, em quase um século, a visitar Havana. A abertura econômica com a ilha também possibilitou que, pela primeira vez em mais de 50 anos, um navio de cruzeiro dos EUA navegasse para Cuba, em maio de 2016. E em 27 de setembro Obama nomeou o primeiro embaixador americano para a ilha.

Entre os feitos considerados “memoráveis”, destaca-se o uso maciço das redes sociais, que segundo o balanço, estreitou a relação do público com a administração. A tendência de comunicação online deve continuar com Trump, que já mostrou ter o hábito de se manifestar pelas mídias digitais.

O balanço do governo destaca avanços em cinco áreas: saúde; clima e energia; liderança militar; economia; igualdade e progresso social. Neste último ponto, o balanço ressalta que a administração Obama garantiu avanços na garantia dos direitos da população LBGT e mudanças no sistema de imigração, áreas consideradas vulneráveis à política defendida por Donald Trump.

Despedida e perspectivas

Obama fará seu discurso de despedida no dia 10 de janeiro, em Chicago. "Será uma oportunidade para lhes agradecer por esta extraordinária viagem, para celebrar as maneiras com que vocês mudaram este país para melhor nos últimos oito anos e para oferecer algumas reflexões sobre para onde iremos a partir daqui", escreveu Obama.

As divergências entre Obama e Trump devem ficar mais evidentes a partir de 20 de janeiro, quando o reupublicano toma posse. Para Eduardo Viola, a eleição de Trump, aliada ao Brexit, marca 2016 como um ano de grandes mudanças político-econômicas. Ele também acredita que a posse de Trump pode acirrar conflitos em várias áreas.

“Com a eleição de Trump, entramos numa era de conflitividade sistêmica. Ele traz para os Estados Unidos um neonacionalismo, o que pode influenciar a situação da China, que também tem tendência nacionalista e hoje é mais forte e poderosa”, avalia. O acirramento na relação com a China traz o risco de conflitos armados pois, segundo o professor, há indícios de que os chineses tem planos para desenvolver armas no espaço e a resposta americana pode ser imprevisível.

O especialista avalia também que a política adotada por Trump será mais protecionista que a de Obama e pode levar a conflitos comerciais. “Duas coisas devem ser afetadas: primeiro, o acordo transpacífico, que Obama tinha como grande trunfo estratégico para desenvolver o comércio internacional, mas não deve ter aprovação dos republicanos. Segundo, pode haver o início de uma certa guerra comercial com a China”, avalia o professor.

O Tratado Transpacífico de Livre Comércio  (TPP, sigla em inglês) foi assinado em 2015 entre 12 países banhados pelo Oceano Pacífico (Austrália, Brunei, Canadá, Chile, Japão, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Singapura, Estados Unidos e Vietnã), mas deve ser um dos primeiros acordos a serem revogados por Trump.

Edição: Augusto Queiroz

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