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Justiça

Censura é ilegítima e autocrática, diz Celso de Mello

Decano do STF divulgou nota à imprensa
André Richter - Repórter da Agência Brasil*
Publicado em 18/04/2019 - 17:07
Brasília
Ministro Celso de Mello durante sessão da Segunda Turma do STF para jugar ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a senadora Gleisi Hoffmann e seu marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo.
© Nelson Jr./SCO/STF

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello divulgou hoje (18) uma manifestação na qual afirma que qualquer tipo de censura é incompatível com as liberdades fundamentais garantidas pela Constituição. Mello é o membro mais antigo da Corte e tomou posse em 1989.

Em nota divulgada à imprensa, o ministro não citou o caso concreto, mas se referiu às decisões proferidas pelos ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, presidente do STF, no inquérito aberto pelo próprio presidente para apurar notícias falsas (fake news) e ofensas contra ministros do tribunal.

“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República”, disse o ministro.

Celso de Mello também disse que o Estado não pode cercear a livre circulação de ideias para inviabilizar o exercício das atividades da imprensa. “O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar, de pesquisar, de investigar, de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República”, afirmou.

Ontem (17), o presidente Dias Toffoli defendeu, na capital paulista, o direito à liberdade de expressão. No entanto, ele ressalvou que esse direito não pode servir para “alimentar a desinformação”. 

“A liberdade de expressão não deve servir à alimentação do ódio, da intolerância, da desinformação. Essas situações representam a utilização abusiva desse direito. Se permitirmos que isso aconteça, estaremos colocando em risco as conquistas alcançadas sob a Constituição de 1988”, disse em palestra na Congregação Israelita Paulista (CIP). “Se é certo que a liberdade de expressão encerra vasta proteção constitucional, não menos certo é que ela deve ser exercida em harmonia com os demais direitos e valores constitucionais”.

Veja a íntegra da nota:

“A censura, qualquer tipo de censura, mesmo aquela ordenada pelo Poder Judiciário, mostra-se prática ilegítima, autocrática e essencialmente incompatível com o regime das liberdades fundamentais consagrado pela Constituição da República.

O Estado não tem poder algum para interditar a livre circulação de ideias ou o livre exercício da liberdade constitucional de manifestação do pensamento ou de restringir e de inviabilizar o direito fundamental do jornalista de informar , de pesquisar , de investigar , de criticar e de relatar fatos e eventos de interesse público, ainda que do relato jornalístico possa resultar a exposição de altas figuras da República.

A prática da censura, inclusive da censura judicial, além de intolerável , constitui verdadeira perversão da ética do Direito e traduz , na concreção do seu alcance, inquestionável subversão da própria ideia democrática que anima e ilumina as instituições da República.

No Estado de Direito, construído sob a égide dos princípios que informam e estruturam a democracia constitucional, não há lugar possível para o exercício do poder estatal de veto, de interdição ou de censura ao pensamento, à circulação de ideias , à transmissão de informações e ao livre desempenho da atividade jornalística.

Eventuais abusos da liberdade de expressão poderão constituir objeto de responsabilização “a posteriori”, sempre, porém, no âmbito de processos judiciais regularmente instaurados nos quais fique assegurada ao jornalista ou ao órgão de imprensa a prerrogativa de exercer, de modo pleno, sem restrições, o direito de defesa, observados os princípios do contraditório e da garantia do devido processo legal.”

 

Ministro Celso de Mello durante sessão da Segunda Turma do STF para jugar ação penal proposta pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a senadora Gleisi Hoffmann e seu marido, o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo.
Celso de Mello, decano do STF - Arquivo/Nelson Jr./SCO/STF

Inquérito sobre notícias falsas

O caso envolvendo críticas sobre a Corte nas redes sociais começou no mês passado. Ao anunciar a abertura do inquérito, no dia 14 de março, Toffoli referiu-se à veiculação de “notícias falsas (fake news)” que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e parentes. Segundo ele, a decisão pela abertura está amparada no regimento interno da Corte.

Na segunda-feira (15), Alexandre de Moraes, que foi nomeado por Toffoli como relator do inquérito, determinou a retirada de reportagens da revista Crusoé e do site O Antagonista que citavam o presidente da Corte, Dias Toffoli.

No dia seguinte, Moraes autorizou a Polícia Federal a realizar buscas e apreensões contra quatro pessoas, entre elas, o candidato ao governo do Distrito Federal nas últimas eleições, o general de Exército Paulo Chagas (PRP).

Em seguida, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, arquivou o inquérito, mas Moraes rejeitou a medida. 

Apesar de a procuradora entender que o arquivamento é um procedimento próprio da PGR e irrecusável, Moraes tomou a manifestação como uma solicitação e entendeu que a medida precisa ser homologada pelo STF. 

Repercussão

Em São Paulo, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso Nacional, considerou inadequada a medida do ministro Moraes com relação às reportagens. "Acho inadequado para o ministro do Supremo ou para qualquer um que integre uma Corte tomar uma medida dessa forma em relação à imprensa". A deputada falou com os jornalistas hoje (18) após a comemoração dos 371 anos do Exército Brasileiro.

* Colaborou Ludmilla Souza, de São Paulo