Candidatas trans se elegem para mandatos individual e coletivo
Maior colégio eleitoral do país, o estado de São Paulo elegeu pela primeira vez uma deputada transexual para a Assembleia Legislativa (Alesp). A ativista negra, educadora e artista Érica Malunguinho (PSOL), de 36 anos, teve mais de 55 mil votos. Ela foi a única candidatura individual de pessoas trans das mais de 50 registradas pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) eleita no pleito do último dia 7.
Ao lado dela na próxima legislatura da Alesp também estará a transexual negra Erika Hilton, de 25 anos, co-candidata da Bancada Ativista (PSOL), formada por nove militantes de diversas áreas. O mandato coletivo recebeu 149.844 votos e foi a décima candidatura mais votada no estado no pleito para a Casa. É a primeira vez que uma chapa coletiva vence as eleições em um grande colégio eleitoral.
Em Pernambuco, a advogada travesti negra Robeyoncé Lima, 29 anos, integra a candidatura coletiva Juntas (PSOL), formada por cinco mulheres, que contabilizou mais de 39 mil votos para a Assembleia Legislativa. Esta também será a primeira vez que o Legislativo do estado nordestino terá um mandato coletivo.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não reconhece candidaturas coletivas. Os grupos tiveram de escolher um nome para representá-los nas urnas e vão ocupar uma única cadeira no Legislativo.
São Paulo
Estudante de gerontologia na Universidade Federal de São Carlos, Erika Hilton diz que a motivação para o mandato coletivo foi a possibilidade de participação popular em diferentes causas, como a indígena, dos idosos, dos negros, da educação popular, entre outras. “Para que abracemos as causas dentro da Casa Legislativa para propormos e defendermos projetos de lei e políticas públicas”, disse Erika. A Bancada Ativista será formalmente representada pela jornalista Mônica Seixas.
Em sua página oficial no Facebook, Érica Malunguinho, coordenadora do centro cultural Aparelho Luzia, na capital paulista, agradeceu os votos recebidos e disse que vai lutar pelos direitos da população negra e LGBT. “Vencemos uma grande batalha, de modo orgânico, sem dinheiro, enfrentando a negação das estruturas partidárias que sempre apostam na branquitude”, escreveu.
A reportagem solicitou entrevista com Érica Malunguinho, mas não obteve retorno.
Pernambuco
Robeyoncé Lima informou que seu ativismo teve início na Universidade Federal de Pernambuco, onde cursou direito. “Minha militância começou dentro do ambiente acadêmico ao ocupar um espaço que tradicionalmente não me pertencia na condição de travesti estudante de direito”.
O Juntas, explica Robeyoncé, surgiu do descontentamento com a política nos moldes atuais “Este sistema político se diz representativo, mas nós cinco não nos sentíamos representadas por esse sistema em que a maioria é formada por homens brancos”.
Segundo a advogada, a pauta principal da chapa coletiva, cuja representante oficial é a vendedora ambulante Jô Cavalcanti, é a defesa do feminismo e de temas como o enfrentamento ao racismo, ao preconceito contra LGBTs, o direito à comunicação.
“Teremos um mandato participativo e vamos contar com os movimentos sociais como conselhos políticos para poder discutir e votar os projetos de lei”, afirmou. “A nossa expectativa é que, em 2020, para as eleições de prefeitos e vereadores, a gente tenha uma chuva de mandatos coletivos, multiplicando esse projeto ao aproximar as pessoas da política”, completou.
Avanço
A presidente da Antra, Keila Simpson, destacou o avanço das candidaturas trans nas eleições deste ano ao enfrentar desafios como a falta de recursos e de estrutura partidária para as disputas eleitorais. “Não vamos retroceder. Vamos avançar cada vez mais em nossas pautas e trabalhar para termos mais candidaturas trans nas próximas eleições municipais”.
Keila ressaltou que algumas candidatas tiveram votação expressiva, como a travesti Duda Salabert (PSOL), de 36 anos, que concorreu ao Senado por Minas Gerais. Apesar de não ter sido eleita, Duda recebeu mais de 351 mil votos e ficou em oito lugar na disputa.
Na avaliação de Duda, sua campanha foi vitoriosa não só nas urnas já que contou com apenas quatro segundos de propaganda na televisão e poucos recursos. “A vitória maior foi no sentido de ampliar consciências, desconstruir preconceitos”, disse.
Eleitorado
No primeiro pleito no país a aceitar o uso do nome social – forma como transexuais e travestis querem ser reconhecidos socialmente, o TSE contabilizou 6.280 eleitores com o nome de escolha impresso no título. Foram feitos 1.805 pedidos em São Paulo, 647 em Minas Gerais e 426 no Rio de Janeiro, maiores colégios eleitorais do país. Do total, cinco eleitores brasileiros no exterior optaram por usar o nome social.