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Cultura

Especial Semana de Arte Moderna de 22: o canibalismo dos brancos

Confira a terceira parte do especial da Rádio Nacional
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Eliane Gonçalves - Repórter da Rádio Nacional
16/02/2022 - 08:08
São Paulo
Capivari, São Paulo, Brasil, 1886 - São Paulo, São Paulo, Brasil, 1973), Antropofagia, 1929,  óleo sobre tela 
 126 x 142 cm, Acervo da Fundação José e Paulina Nemirovsky, em comodato com a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
© Isabella Matheus/Pinacoteca de São Paulo

Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922

PARTE 3 – A antropofagia nativa e o canibalismo dos brancos 

“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”

“Tupy, or not tupy that is the question.”

“Queremos a revolução Carahiba. Maior que a revolução francesa.”

“Nunca fomos cathechisados: Fizemos foi carnaval.”

Esses são trechos do Manifesto Antropófago. O manifesto foi publicado por Oswald de Andrade na primeira edição da revista da Antropofagia, em 1928.

O texto remete aos rituais de guerras de tribos indígenas brasileiras que devoraram os adversários para assimilar o que havia de bom no inimigo.

Um convite para que os artistas brasileiros aproveitassem o que havia de bom na produção cultural europeia, para produzir uma arte de vanguarda genuinamente brasileira.

Mas o manifesto não foi uma unanimidade entre os modernistas. Mario de Andrade vê o ato com desconfiança. Quem conta é Luiz Armando Bagolin, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

“Logo no início da antropofagia, o Mario já reage a essa possibilidade de você ter nesse Brasil tão diverso, se servir dele para uma utilização estética e, de novo, fazer uma arte branca, voltada para uma elite branca, para escandalizar a elite branca”, afirma.

Enquanto Oswald escreve o manifesto antropófago, Mario de Andrade lança o livro Macunaíma, considerado a obra mais importante do escritor.

Para criar esse herói que é uma antítese dos heróis clássicos ele teve como referência as anotações do etnólogo alemão Thedor Koch-Grûnberg, que esteve em 1913 na região da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde vive o povo macuxi que tem em sua cosmologia uma divindade ligada ao poder de transformação, o Makunaimã.

Quase cem anos depois, foi um artista e pensador Macuxi, Jaider Esbell, que reconectou a história contada por Mario de Andrade com a de seu próprio povo.

“Eu digo que foi estratégia do Mukunaimã se jogar na capa desse livro dessa forma, como estratégia para continuar existindo, esperando enquanto seus netos e suas famílias acordassem, reagissem, se reorganizassem em relação à guerra e pudessem uma hora reivindicar isso tudo para fazer esse movimento que é devolver a ideia do Mucunaíma, do Makunáima para o Makunaimã. Quando chega na terra do Makunaimã quem estarão aí são os netos, que é a minha geração, que é o meu povo”, diz Jaider Esbell.

Jaider foi um dos principais nomes na 34ª Bienal de Arte de São Paulo em 2021, mas morreu no dia 2 de novembro de 2021, aos 42 anos. Ele falou sobre Makunaimã em julho do ano passado no Ateliê de Humanidades, um centro de pesquisas e formação colaborativo.

Mas, o diálogo entre a arte indígena contemporânea e os modernistas de um século atrás continua.

Durante um seminário no Instituto Moreira Sales, em São Paulo, o artista Denilson Baniwa, de Barcelos, no Amazonas, propôs um movimento de Re-Antropofagia. Uma de suas obras sintetiza a ideia. Na pintura a cabeça de Mario de Andrade aparece decepada dentro de um cesto indígena.

“É uma oferta a todos os artistas indígenas para que devorem o cérebro do Mario, do Oswald e dos modernistas, porque de lá pode sair algo muito incrível”, explica Denilson.

*Com sonorização de Messias Melo, locução da leitura de trechos do Manifesto Antropófago por Joana Cortes, da Rádio Nacional, e com a colaboração de Elaine Cruz, da Agência Brasil.

Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922

PARTE 1: Refazendo o cenário: São Paulo e a Semana de 22

PARTE 2: Qual o tamanho da revolução?

PARTE 4: Antropofagia crítica africana

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