Especial Semana de Arte Moderna de 22: o canibalismo dos brancos
Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922
PARTE 3 – A antropofagia nativa e o canibalismo dos brancos
“Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.”
“Tupy, or not tupy that is the question.”
“Queremos a revolução Carahiba. Maior que a revolução francesa.”
“Nunca fomos cathechisados: Fizemos foi carnaval.”
Esses são trechos do Manifesto Antropófago. O manifesto foi publicado por Oswald de Andrade na primeira edição da revista da Antropofagia, em 1928.
O texto remete aos rituais de guerras de tribos indígenas brasileiras que devoraram os adversários para assimilar o que havia de bom no inimigo.
Um convite para que os artistas brasileiros aproveitassem o que havia de bom na produção cultural europeia, para produzir uma arte de vanguarda genuinamente brasileira.
Mas o manifesto não foi uma unanimidade entre os modernistas. Mario de Andrade vê o ato com desconfiança. Quem conta é Luiz Armando Bagolin, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
“Logo no início da antropofagia, o Mario já reage a essa possibilidade de você ter nesse Brasil tão diverso, se servir dele para uma utilização estética e, de novo, fazer uma arte branca, voltada para uma elite branca, para escandalizar a elite branca”, afirma.
Enquanto Oswald escreve o manifesto antropófago, Mario de Andrade lança o livro Macunaíma, considerado a obra mais importante do escritor.
Para criar esse herói que é uma antítese dos heróis clássicos ele teve como referência as anotações do etnólogo alemão Thedor Koch-Grûnberg, que esteve em 1913 na região da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde vive o povo macuxi que tem em sua cosmologia uma divindade ligada ao poder de transformação, o Makunaimã.
Quase cem anos depois, foi um artista e pensador Macuxi, Jaider Esbell, que reconectou a história contada por Mario de Andrade com a de seu próprio povo.
“Eu digo que foi estratégia do Mukunaimã se jogar na capa desse livro dessa forma, como estratégia para continuar existindo, esperando enquanto seus netos e suas famílias acordassem, reagissem, se reorganizassem em relação à guerra e pudessem uma hora reivindicar isso tudo para fazer esse movimento que é devolver a ideia do Mucunaíma, do Makunáima para o Makunaimã. Quando chega na terra do Makunaimã quem estarão aí são os netos, que é a minha geração, que é o meu povo”, diz Jaider Esbell.
Jaider foi um dos principais nomes na 34ª Bienal de Arte de São Paulo em 2021, mas morreu no dia 2 de novembro de 2021, aos 42 anos. Ele falou sobre Makunaimã em julho do ano passado no Ateliê de Humanidades, um centro de pesquisas e formação colaborativo.
Mas, o diálogo entre a arte indígena contemporânea e os modernistas de um século atrás continua.
Durante um seminário no Instituto Moreira Sales, em São Paulo, o artista Denilson Baniwa, de Barcelos, no Amazonas, propôs um movimento de Re-Antropofagia. Uma de suas obras sintetiza a ideia. Na pintura a cabeça de Mario de Andrade aparece decepada dentro de um cesto indígena.
“É uma oferta a todos os artistas indígenas para que devorem o cérebro do Mario, do Oswald e dos modernistas, porque de lá pode sair algo muito incrível”, explica Denilson.
*Com sonorização de Messias Melo, locução da leitura de trechos do Manifesto Antropófago por Joana Cortes, da Rádio Nacional, e com a colaboração de Elaine Cruz, da Agência Brasil.
Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922
PARTE 1: Refazendo o cenário: São Paulo e a Semana de 22