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Cultura

Especial Semana de Arte Moderna de 22: refazendo o cenário

Confira a primeira parte do especial da Rádio Nacional
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Eliane Gonçalves - Repórter da Rádio Nacional
14/02/2022 - 08:00
São Paulo
A Casa Mário de Andrade, onde viveu um dos principais escritores e intelectuais do Modernismo, integra a Rede de Museus-Casas Literários de São Paulo.
© Rovena Rosa/Agência Brasil

Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922

PARTE 1: Refazendo o cenário: São Paulo e a Semana de 22

A música “Quarteto Simbólico, impressões da vida mundana”, com a composição de Villa-Lobos, foi apresentada na última noite de espetáculos da Semana de Arte Moderna que ocupou o Theatro Municipal de São Paulo entre os dias 13 e 18 de fevereiro de 1922.

A apresentação gerou desconforto e a plateia retribuiu com urros e vaias. O poema de Manuel Bandeira, “Os Sapos”, que ironiza os poetas parnasianos, foi recebido da mesma forma. No saguão do teatro, as telas de Anita Malfatti ou de Di Calvacanti e as esculturas de Victor Brecheret também causavam estranhamento e as polêmicas alimentavam os jornais.

A edição de fevereiro de 1922 da revista A Cigarra descreveu o impacto do público: “conta-se que uma senhora, ao visitar as telas expostas, se impressionou, ou melhor, ficou intrigada diante de duas, que não conseguiu absolutamente comprehender”, dizia a revista.

O jornal o Estado de São Paulo de 16 de fevereiro criticou a falta de respeito dos modernistas com artistas consagrados: “Espontânea manifestação da galeria ou claque do novo gênero, o certo é que phrases e attitudes menos respeitosas attingiram algumas vezes artistas respeitáveis pelo seu talento”, afirmava o jornal.

Para Luiz Armando Bagolin, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, a polêmica não era apenas bem-vinda, era uma meta dos organizadores, entre eles, o escritor Mario de Andrade. Segundo o professor, Mario de Andrade afirmou que “os araras morderam a isca”, uma referência aos jornalistas da época. “A semana no momento em que ela aconteceu foi um evento muito bem sucedido do ponto de vista da propaganda de uma estratégia de propaganda”, define Bagolin.

Essa espécie de marketing modernista que pregava a ruptura coincide com o momento em que a cidade de São Paulo também passava por transformações. De uma província quase rural, para o que viria a ser um grande centro urbano. Estar na vanguarda das artes combinava com a ideia de modernização.

Mas a Semana de Arte Moderna é um movimento também cercado por contradições.

Ela foi concebida nas mansões da aristocracia paulistana. Paulo Prado, um dos maiores exportadores de café do país, foi o patrocinador. Para Heloísa Espada, curadora do Instituto Moreira Salles, essa relação entre urbano e rural é reveladora.

Heloisa conta que quem financiou as atividades da Semana de Arte Moderna foi a elite cafeeira de São Paulo. “Essa elite ganhou dinheiro no interior, nas fazendas, mas não queria mais viver ali. Queria a possibilidade de viajar para fora do país e quer viver em uma cidade que tem os benefícios da modernidade”, diz a professora.

Ela reforça a importância de se perceber as ambiguidades do movimento modernista no Brasil. “Para algumas pessoas, a modernidade seria - coisa horrível que vou falar - um projeto de branqueamento do país no início do século”, afirma.

Essas contradições ajudam a explicar como alguns artistas de 1922 chegaram a trocar a vanguarda pelo reacionarismo, como o escritor Plínio Salgado que pouco tempo depois fundou o Partido Integralista, inspirado no fascismo italiano.

*Com sonorização de Messias Melo, locução da leitura dos jornais feita por Nelson Lin, da Rádio Nacional, e com a colaboração de Elaine Cruz, da Agência Brasil.

Especial 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922

PARTE 2: Qual o tamanho da revolução?

PARTE 3: A antropofagia nativa e o canibalismo dos brancos ​

PARTE 4: Antropofagia crítica africana

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