logo Radioagência Nacional
Direitos Humanos

Ditadura militar contribuiu para genocídio dos povos indígenas

Reportagem analisa ainda semelhanças com ações do governo Bolsonaro
Baixar
Gésio Passos - Repórter da Rádio Nacional
29/03/2023 - 13:05
Brasília
Boa Vista (RR), 13-02-2023, Cláudia Yanomami alimenta o neto recém nascido na calçada da rua Estrela D'Alva. Ela faz parte de um grupo de cerca de 20 yanomami sem teto que estão acampados às margens da BR-174.
© Rovena Rosa/Agência Brasil

Devastação, violência, fome, doenças e morte de milhares de indígenas Yanomami, em sua terra em Roraima. Esse retrato, não por coincidência, é o mesmo do período do Brasil governado por Jair Bolsonaro e da ditadura militar no país.

Além da tortura, censura e assassinato de milhares nas cidades e no campo, a ditadura causou um genocídio entre os povos indígenas brasileiros. O relatório da Comissão Nacional da Verdade, finalizado em 2014, indica que, apenas na investigação de dez povos, foi estimado mais de 8 mil mortes decorrentes do governo militar.

No caso do povo Yanomami, segundo a Comissão, não há um número oficial de mortos, mas se estima que chegue aos milhares.

Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, Davi Kopenawa, líder Yanomami, relembrou o descaso do governo durante a realização de grandes obras. Segundo a liderança, as estradas abriram caminho para os invasores garimpeiros e fazendeiros.

"[A autoridade] não avisou antes de destruir o nosso meio ambiente, antes de matar o nosso povo Yanomami. A estrada é o caminho de invasores garimpeiro, fazendeiro, pescador e caçador".

A tomada das terras indígenas para ampliação da fronteira agrícola e para exploração mineral e de energia foi um dos eixos do Plano de Integração Nacional dos militares golpistas. No caso dos Yanomami, a destruição veio primeiro com a construção da rodovia Perimetral, a BR-210, que liga os estados do Amapá, Amazonas, Pará e de Roraima.

Já na década de 1980, a situação se agravou com a invasão de cerca de 40 mil garimpeiros na região. Uma campanha internacional exigiu que a ditadura fosse responsabilizada pelo genocídio Yanomami. O Brasil foi denunciado em várias esferas internacionais, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

A terra indígena Yanomami só foi demarcada após muita pressão, em 1992.

Marcelo Zelic, membro da Comissão de Justiça e Paz de São Paulo e colaborador da Comissão da Verdade, afirma que a estratégia entre o governo dos militares e o governo de Jair Bolsonaro são similares. Expulsão dos territórios e falta de assistência de saúde, que levaram à dizimação do povo indígena.

"A saúde indígena foi utilizada como uma arma, uma estratégia de ocupação territorial pelo enfraquecimento da saúde das comunidades. Isso é um crime bárbaro, contra a humanidade. É o uso da saúde como essa ferramenta. Isso é parte da cartilha que aparece quando você olha os documentos do passado".

Marcelo Zelic ainda acrescenta que nos dois momentos políticos, a falta do estado nos territórios contribuiu para o aumento da violência contra os povos originários.

"Quando você tem então um governo que estimula o garimpo, que enfraquece a presença do Estado nos territórios, que cria portarias que desestruturam o direito indígena, facilitando a penetração e invasão dos territórios, você tem essa repetição de uma fama acintosa, e uma repetição que promoveu o volume de violência muito grande no Brasil contra os povos indígenas desde 2019, 2022".

Em janeiro deste ano, o governo decretou emergência federal na Terra Indígena Yanomami. A medida resultou na expulsão de milhares de garimpeiros invasores, além de atendimento médico e ações contra a fome que afligia a população. Só em 2023, 53 mortes foram registradas entre os Yanomami.

A Comissão Nacional da Verdade, em seu relatório final, apresentou 13 recomendações relacionadas aos povos indígenas. Entre elas, um pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos indígenas pela tomada de suas terras e demais violações de direitos humanos, além da instalação de uma Comissão Indígena da Verdade.

Segundo o Ministério dos Povos Indígenas, a pasta ainda está sendo estruturada para retomada das discussões sobre essa Comissão.

 

Especial Semana Passado Presente: Ditadura e Democracia

Radioagência Nacional apresenta um especial com seis reportagens sobre a Ditadura Militar. As matérias serão publicadas de 27 de março a 1º de abril. Essa é a terceira da série. Confira a relação completa abaixo:

  1. Ditadura: apoio ao golpe de 64 beneficiou grandes empresários
  2. Historiadores explicam disputa de narrativas sobre ditadura militar
  3. Ditadura militar contribuiu para genocídio dos povos indígenas
  4. Assassinato de Alexandre Vannuchi Leme foi primeiro revés da ditadura
  5. Portal traz áudios que comprovam que STM sabia de tortura na ditadura
  6. Ditadura: impunidade de agentes e imagem distorcida ainda têm reflexos

 

Ficha técnica:

Reportagem: Gésio Passos

Sonoplastia: Jailton Sodré

Edição: Sheily Noleto

Publicação na Radioagência Nacional: Renata Batista

x