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Historiadores explicam disputa de narrativas sobre ditadura militar

No segundo episódio, entenda divergências em relação ao período
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Nelson Lin - Repórter da Rádio Nacional
28/03/2023 - 13:05
São Paulo
Rio de Janeiro - Passeata de estudantes, movimento sociais, sindicais e partidos de esquerda em repúdio ao golpe militar de 1964 percorre a Avenida Rio Branco para cobrar justiça pelas vítimas da ditadura e punição aos torturadores.
© Agência Brasil/Fernando Frazão

Passados 59 anos do golpe e da ditadura militar, ainda se encontram presentes na sociedade a chamada disputa de narrativas em torno do período. Uma das questões é qual a real data do golpe: se o dia 31 de março ou 1º de abril. Para o professor de história da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Aarão Reis essa é uma polêmica menor. Segundo ele, o início do golpe foi de fato no dia 31 de março.

"Na madrugada do dia 31, o general Mourão Filho dá início ao movimento armado pela deposição do João Goulart, e as esquerdas ironicamente derrotadas passaram a caracterizar o golpe como tendo sido vitorioso no dia 1º de abril. Como a gente sabe, o 1º de abril é o dia da mentira".

Outra disputa presente até hoje é em relação ao termo golpe ou revolução. Daniel Reis reitera que foi um golpe a deposição de João Goulart em 1964, apesar de ter havido apoio de parcelas da sociedade civil a essa deposição, e que partidários do golpe renomearam o movimento como revolução por ela estar associada a coisas positivas na época.

"Golpe é todo aquele movimento que pela violência depõe um presidente da República. Ora, isso é objetivo. No Brasil, João Goulart foi deposto por um movimento violento, que não provocou derramamento de sangue notável porque o presidente e as demais lideranças de esquerda resolveram se render sem luta”.

Indo mais profundamente sobre a denominação do período, Daniel Reis também explicou porque o período da ditadura civil militar não pode ser considerado um período revolucionário.

“Essas modificações pela raiz, essas transformações designam o processo como revolucionário ou não. Houve revolução na Rússia, em Cuba, houve revolução francesa, americana... Porque ali houve transformações das políticas econômicas e culturais. Isso não houve no Brasil, embora o Brasil tivesse passado por um processo intenso de modernização. Foi uma modernização conservadora e autoritária”.

As pesquisas de opinião feitas à época pelo Ibope nas grandes cidades mostravam uma sociedade dividida. Se antes do golpe, 42% consideravam bom e ótimo o governo de João Goulart, e 30% regular, após a ação dos militares, a pesquisa do Ibope em maio de 64 revelou que 54% dos entrevistados aprovaram a deposição de Jango.

O motivo da população ter mudado de apoio a Jango para apoio ao golpe pode ter sido o forte sentimento de anticomunismo associado a João Goulart e que foi incentivado pela grande mídia e por adversários políticos. Nas pesquisas do Ibope, o comunismo era visto como ameaça por mais de 65% dos entrevistados. Mas o professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Rodrigo Patto Sá Motta reitera o equívoco que era associar João Goulart ao comunismo ou socialismo.

“Muitas pessoas acreditaram que o Brasil estava em vias de se tornar um país comunista, o que estava muito longe de ser verdade. O presidente João Goulart não era um socialista, nem muito menos um comunista. Ele era um político trabalhista a favor de algumas reformas sociais, de salários melhores para os trabalhadores. Mas não era socialista, até porque ele era uma pessoa muito rica, um dos maiores fazendeiros do Brasil. Mas ainda assim, então, houve toda essa agitação em torno da ideia de que o Brasil corria um risco sério de se tornar uma nova Cuba na América Latina”.

E para quem quiser entender mais as discussões em torno do período, o historiador Rodrigo Patto publicou em 2021 um livro que estuda mais a fundo todas as questões abordadas nesta reportagem, chamado de Passados Presentes, o golpe de 1964 e a ditadura militar.

 

Especial Semana Passado Presente: Ditadura e Democracia

A Radioagência Nacional apresenta um especial com seis reportagens sobre a Ditadura Militar. As matérias serão publicadas de 27 de março a 1º de abril. Essa é a segunda da série. Confira a relação completa abaixo:

  1. Ditadura: apoio ao golpe de 64 beneficiou grandes empresários
  2. Historiadores explicam disputa de narrativas sobre ditadura militar
  3. Ditadura militar contribuiu para genocídio dos povos indígenas
  4. Assassinato de Alexandre Vannuchi Leme foi primeiro revés da ditadura
  5. Portal traz áudios que comprovam que STM sabia de tortura na ditadura
  6. Ditadura: impunidade de agentes e imagem distorcida ainda têm reflexos

 

Ficha técnica:

Reportagem: Nelson Lin

Produção: Beatriz Evaristo

Sonoplastia: José Maria Pardal

Edição: Ana Lúcia Caldas

Publicação na Radioagência Nacional: Renata Batista

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