Quase 100% das patentes de pesquisas na Mata Atlântica são do exterior
Publicado em 20/06/2024 - 14:10 Por Madson Euler* - Repórter da Rádio Nacional - São Luís
O estudo inédito do Instituto Nacional da Mata Atlântica, com contribuição de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco e da Universidade Federal de São Carlos, fez o levantamento de 7.395 patentes mundiais envolvendo espécies de plantas nativas presentes nos biomas brasileiros. O levantamento comparou informações de mais de 25 mil espécies registradas pelo Programa Reflora do CNPq com dados mundiais de depósitos patentes entre os anos de 1960 e 2021.
Do total de depósitos das patentes com a flora da Mata Atlântica, 92% das inovações foram desenvolvidas e depositadas fora do Brasil, a maioria por China, Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul. Ao analisar em detalhes os 1.258 depósitos de patentes envolvendo plantas que existem somente no bioma Mata Atlântica, o levantamento identificou que as patentes estão concentradas nos setores agricultura e pecuária, farmacêutico e cosmético, alimentos e bebidas e de tratamento de água, esgotos e resíduos.
As poucas empresas brasileiras titulares de patentes são corporações consolidadas no mercado nacional. Os titulares brasileiros com mais patentes são institutos de pesquisa, universidades públicas e depositantes individuais. A pesquisadora do Instituto Nacional da Mata Atlântica, Celise Villa dos Santos, destaca que existem dificuldades de comprovação e registro de que determinada patente utilizou um material genético originado no bioma brasileiro:
"As dificuldades em reconhecer a origem do patrimônio genético em patentes poderiam ser sanadas pela implementação do Certificado Internacional de Origem e com exigência desse certificado para o depósito de patentes, mas a implantação desse certificado internacional permanecem negociação no Conselho de Direitos de Propriedade Intelectual da Organização Mundial do Comércio desde 2011. Esse certificado é necessário porque é difícil reconhecer a origem do patrimônio genético em patentes quando não é declarado. A proteção de uma intenção depende de diversos fatores como questões culturais de um país ou de um setor econômico. Depende de políticas públicas de incentivo governamentais e estratégias corporativas. Depositar e manter uma patente envolve custos e muitas vezes essas instituições necessitam tomar decisão sobre qual invenção irá proteger".
De maneira simples, as patentes são o registro de produtos, processos, pesquisas, inovações que utilizam determinado elemento, no caso do estudo, as plantas da Mata Atlântica, como item primordial na sua produção. Ter a patente de um produto significa ter o direito de impedir terceiros de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar sem o consentimento da pessoa ou empresa titular o produto objeto de patente, ou processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. O titular da patente poderá conceder licença de sua patente a terceiros, mediante remuneração ou não. O depósito de um pedido de patente e a própria patente, caso venha a ser concedida, requer o pagamento de taxas e anuidades.
Segundo a pesquisadora, o Brasil teve um grande avanço na gestão do nosso patrimônio genético com a implantação, em 2017, do Sistema de Gestão do Patrimônio Genético e Conhecimentos Tradicionais Associados, conhecido como SisGen. Mas o Sisgen controla somente o acesso à biodiversidade e as tecnologias desenvolvidas e protegidas dentro do Brasil. Ela acredita que a Estratégia Nacional de Bioeconomia, lançada este mês pelo governo brasileiro possa ajudar a mudar este cenários das patentes. O documento, construído pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Meio Ambiente e Mudança do Clima e Fazenda, reúne as diretrizes e objetivos estratégicos para o desenvolvimento de cadeias de produtos, processos e serviços que utilizam recursos biológicos, entre eles, aqueles vindos justamente do bioma brasileiro, e tecnologia avançada, para elaboração de produtos mais sustentáveis.
"No Brasil as inovações tecnológicas na área de biotecnologia ainda seriam favorecidas pela grande variedade de espécies distribuídas nos seis biomas brasileiros e também pelos conhecimentos acumulados pelos povos e comunidades tradicionais sobre o uso dessas espécies", completa Celise.
O Brasil é o país com a maior biodiversidade do mundo distribuída em seis biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. A Mata Atlântica é o bioma brasileiro com maior variedade de espécies vegetais, o mais fragmentado e impactado pelos processos de urbanização, e com apenas cerca de 12% de vegetação nativa remanescente.
*Com produção de Dayana Vitor
Edição: Tâmara Freire/Edgard Matsuki