Blocos afro completam 40 anos no carnaval de Salvador
O batuque dos tambores, o colorido das fantasias, a dança e a alegria contagiante são as marcas dos blocos afro, que há 40 anos arrastam milhares nas ruas de Salvador. Junto com os afoxés, representam a cultura negra e são os homenageados do carnaval deste ano.
Em 1974, no Bairro da Liberdade, dois amigos decidiram criar uma agremiação carnavalesca formada só de negros. Nascia assim o Ilê Aiyê. Antônio Carlos Vovô, um dos fundadores, conta que o bloco afro surgiu para combater o racismo. “Na época, os grandes blocos e clubes eram todos de brancos. A participação do negro era só tocando ou carregando alegorias. Por isso, resolvemos criar um bloco onde o negro fosse também peça principal”, disse.
O primeiro desfile teve 100 participantes. Quatro décadas depois, os associados somam mais de 3 mil. Em sua trajetória, o Ilê Aiyê levou novos ritmos para a festa e contribuiu para a criação de outros blocos afro, como o Malê Debalê (1979), Olodum (1979), Muzenza (1981), Cortejo Afro (1998) e o Bankoma (2000). No carnaval deste ano, o tema do bloco é Do Ilê Axé Jitolú para o Mundo, “Ah, se não fosse o Ilê Aiyê”, que vai contar o contexto histórico em que o bloco foi criado. "O Ilê Aiyê surge dentro do Ilê Axé Jitolu, com as bênçãos da Yalorixá Hilda Jitolu, com a intenção de mudar o paradigma do carnaval de Salvador. Ao longo dos seus 40 anos, abordou vários assuntos ligados à temática negra", conforme site do bloco.
Para o professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez, os blocos contribuem para a preservação da cultura africana. “Os blocos afro têm uma importância na cena cultural baiana que ultrapassa largamente o carnaval. Quando emergem, causam um impacto que vai se espraiar pelo conjunto da cultura baiana e vai trazer não só um desejo de participar da festa, mas um desejo de afirmação étnica e política das comunidades negras e mestiças”, explica.
Nas músicas, os blocos falam sobre a valorização da cultura negra e a luta contra o preconceito. O ritmo fica por conta dos instrumentos de percussão: atabaque, surdo, repique, timbau e tarol.
Já no bloco Didá, as mulheres assumem o comando do tambor. Integrante do grupo, Viviane Queiroz, 37 anos, explica qual é o diferencial do bloco, composto somente por mulheres. “Nós adaptamos a herança da dança afro ao tambor. Hoje, a gente tem uma forma feminina e diferenciada de tocar. Podemos explorar as coreografias e dançar, coisa que os homens não fazem”. Criado para inclusão das mulheres negras no cenário musical, o Didá desfilou pela primeira vez em 1995, com cerca de 100 integrantes vestidas de egípcias. No ano seguinte, 2 mil saíram pelas ruas em homenagem a princesa Anastácia. Atualmente, são 3 mil associadas.
Nomeado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, o Pelourinho, no centro histórico, é palco dos desfiles da maioria dos grupos e também onde surgiu o Olodum, que tem como marca o samba-reggae. “O Olodum criou esse ritmo com o músico Neguinho do Samba, nos anos 80, em Salvador”, diz o presidente do bloco, João Jorge.
Além dos desfiles, a maioria dos blocos promove ações educativas e de formação profissional para os moradores das periferias. O Olodum, por exemplo, ensina 460 crianças e jovens da região a cantar e tocar um instrumento. “A gente também tem aula de liderança. Eles falam sobre o racismo, ensinam a gente a nos conhecer melhor", conta Dandara Amorim, 16 anos, que há dois anos frequenta as aulas de dança.
Já os afoxés, que significa candomblé de rua, levam para a folia os rituais dos terreiros. Um dos mais representativos é o Afoxé Filhos de Gandhy, criado em 1949 por estivadores do Porto de Salvador. No primeira vez que desfilou, apesar de mais de 100 inscritos, apenas 36 participantes saíram com medo da repressão policial.
O nome foi sugerido por um dos principais fundadores, Vavá Madeira, inspirado na história do líder indiano Mahatma Gandhi, que tinha sido assassinado um ano antes. “Para evitar represálias, o fundador Almir Fialho deu a ideia para mudar a grafia do nome Gandhi, trocando o 'i' por 'y', ficando Gandhy”, segundo informações publicadas no site do bloco.
O grupo é composto somente por homens e há 65 anos tem como objetivo disseminar uma mensagem de paz. De acordo com o presidente da entidade, Agnaldo Silva, os Filhos de Gandhy são uma mistura dos preceitos hindus com as tradições da África. “A nossa indumentária [roupas e acessórios] é hindu, porém nós cultuamos o sincretismo do candomblé”, explicou.
A fantasia é composta por um lençol costurado nas laterais e uma pintura na parte frontal com o tema do desfile. No turbante, é aplicado o broche redondo com uma pedra azul, paa simbolizar os marajás indianos. Nos pés, sandálias, meias e faixa. Os colares, azul e branco, reverenciam os orixás Oxalá e Ogum. Antes dos festejos, os integrantes seguem rituais sigilosos e têm obrigações (padê), como forma de respeito ao candomblé. Os afoxés apresentam um ritmo mais leve, com três instrumentos principais: atabaque, agogô e xequerê (parecido com um chocalho).
Com o tema É Diferente, É Carnaval de Salvador, a capital baiana vai homenagear os 40 anos dos blocos afro. O movimento batizado de Afródromo, que reúne os blocos, terá três dias de apresentações no circuito Osmar (Campo Grande): domingo, segunda-feira e terça-feira, a partir das 18h30, atendendo ao horário solicitado pelos blocos, que criticavam os desfiles durante a madrugada.