Lei do Silêncio divide opiniões entre foliões do carnaval em Brasília

Publicado em 09/02/2016 - 12:34 Por Paula Laboissière - Repórter da Agência Brasil* - Brasília

 

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A funcionário pública Rosinéia de Souza não perde um só dia da folia de carnaval que acontece próximo ao prédio onde mora, na região central de Brasília. “Há 12 anos, isso tudo acontece. Sempre que posso, venho. Gosto dessa bagunça. Não incomoda, porque começa cedo e acaba lá pelas 20h. Fica tudo dentro da lei e é melhor assim. Agrada a todos", diz Rosinéia, que prefere acompanhar a festa sentada em uma cadeira, por ter dificuldade de locomoção.

A norma à qual a funcionária pública se refere é a chamada Lei do Silêncio, vigente na capital federal desde 2008, que determina que o barulho em área residencial próxima a comércio não pode exceder 55 decibéis durante o dia e 50 decibéis durante a noite. Críticos afirmam que tais medições são impraticáveis, por serem baixas demais, e defendem a alteração da lei.

“Para o carnaval dentro das quadras, por exemplo, a lei muda as coisas para melhor. Mas se for em locais sem residência, tudo bem, pode ter barulho sem tanto controle. Aqui na quadra tem muita gente com problema de saúde, com criança pequena. Onde há residência, tem que cumprir a lei”, defende a foliã.

Brasília - O engenheiro florestal, Kolbe Soares, fala sobre a Lei do Silêncio em Brasíla, durante o Bloco Concentra mas não Sai (Elza Fiuza/Agência Brasil)

O engenheiro florestal Kolbe Soares defende uma lei menos rígidaElza Fiuza/Agência Brasil

O também funcionário público José Lopes chegou de fininho para dar uma espiada na folia que acontecia perto do prédio onde vive com a esposa. “Moro aqui há mais de 40 anos, mas sempre viajo no período do carnaval. É a primeira vez que vejo essa bagunça aqui”, contou. Ele lembra que Brasília, há algumas décadas, era conhecida como cidade-dormitório mas que, agora, a rotina da cidade mudou.

“Não devia ter bagunça como essa nas quadras residenciais. Deveria haver um setor destinado para isso. Não sou contra o carnaval, mas o barulho é muito alto. Deveria ser mais controlado, porque não agrada todo mundo. Na área residencial tem que valer a lei. Temos um setor de clubes em Brasília. Por que não fazer todo o carnaval lá?”


Acompanhado da esposa e do filho pequeno, o engenheiro florestal Kolbe Soares garante que compartilha a ideia de Vanisa. Enquanto curte a folia com a família, ele defende que quem passa o carnaval na capital federal não seja tão exigentes quanto ao cumprimento da Lei do Silêncio. “Estão todos brincando de forma saudável. Crianças, bebês. Acho que as pessoas têm que abdicar do privilégio do silêncio pelo menos durante esses quatro dias para permitir isso”.A advogada Vanisa Machado defende que a população de Brasília considere o carnaval como exceção e que a norma não seja tão rígida durante os quatro dias de folia. “A lei impacta o carnaval da cidade, mas o carnaval é uma das manifestações mais fortes e características do brasileiro. É uma coisa que acontece uma vez por ano. Além do mais, acho que o que mais impacta o dia a dia da cidade são os barzinhos. O carnaval dá para levar”.

Brasília - A recepcionista Cristina Barreto fala sobre a Lei do Silêncio em Brasíla, durante o Bloco Concentra mas não Sai (Elza Fiuza/Agência Brasil)

 A recepcionista Cristina Barreto fala sobre a Lei do Silêncio em Brasília, durante o desfile do Bloco Concentra mas não SaiElza Fiuza/Agência Brasil

Já a recepcionista Cristina Barreto acredita que o horário máximo para barulho, em períodos como o carnaval, deveria ser estendido, mesmo nas quadras residenciais de Brasília. “Carnaval é carnaval. Principalmente agora, que o carnaval de rua em Brasília está dando mais certo. Acho que o fechamento deveria ser 2h ou 3h da madrugada. A galera gosta de folia”.

O criador do bloco da Tesourinha, Renato Fino, teme que a lei, se mantida da forma como está, termine por calar a folia na cidade.

"Talvez não só o carnaval, mas qualquer atividade que extrapole um pouquinho e que tenha um pouco mais de alegria. Tudo isso vai ser prejudicado pela Lei do Silêncio. Na sexta-feira que antecede o carnaval, por exemplo, a polícia e a Agefis [Agência de Fiscalização do Distrito Federal] estiveram nas quadras exigindo que o som fosse desligado às 22h, numa área comercial que é tradicional em Brasília. Não pode."

Para Luiz Lima, um dos fundadores dos blocos Pacotão e Baratona, a lei precisa ser debatida com a sociedade.  "Se fosse ter uma Lei do Silêncio em Salvador, o trio elétrico não poderia sair mais. A frescura tem que acabar em Brasília. Tem que deixar isso bem claro. Tem mais de mil blocos no Rio de Janeiro. Aqui em Brasília estamos botando mais de 1,25 milhão de pessoas nas ruas. Então vão ser 10 mil, 20 mil pessoas que estão querendo ir contra a brincadeira. Isso não pode acontecer", disse. "Lei tem que ter. Agora, uma coisa tem que ser razoável para os dois lados. Lei do silêncio tem que ser examinada, tem que chamar as pessoas, tem que ter um debate justo com as pessoas que fazem o barulho e os silenciosos", acrescentou.

O jornalista aposentado e filósofo e também fundador do Pacotão, Seu Cicinho, diz que quem não gosta de barulho “considera que o bem-estar deles é superior ao dos outros”. “Isso é falta de consciência. Querem proibir quem está na idade [de fazer barulho]”, disse.

* Colaborou Daniel Lima, Ana Cristina Campos e Paulo Victor Chagas

Edição: Maria Claudia

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