UPAs: Defensoria do Rio vê sobrecarga de médicos; pesquisador defende nova regra
No Rio de Janeiro, a Defensoria Pública demonstrou preocupação com a medida anunciada pelo Ministério da Saúde de flexibilizar o número de médicos necessários para a abertura de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). De acordo com as novas regras, a unidade poderá ser aberta com um médico por turno; anteriormente, eram necessários dois médicos por período.
Segundo a defensora Samantha Monteiro de Oliveira, do Núcleo de Fazenda Pública da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), as reclamações sobre problemas no atendimento nas unidades têm aumentado com a crise financeira do estado. Samantha disse que as principais reclamações são carência de profissionais e falta de material e de insumos, além de dificuldade de transferência.
Para a defensora, operar com apenas um médico por turno vai sobrecarregar o profissional e piorar o atendimento ao público. “A gente viu in loco que é muito complicado quando um médico só fica responsável, ainda que a UPA esteja com restrição de atendimento. A UPA não é uma unidade básica, não faz atendimento simples, faz atendimentos complexos, de maior gravidade", disse.
"Dependendo do número de ocorrências que apareçam, chegam [pacientes] 24 horas por dia, e há ocorrências graves, muitos traumas, acidente vascular, questões que necessitam de transferência para cirurgia. Daí a preocupação com possíveis falhas no atendimento, com o profissional sobrecarregado e sem condições de dar um atendimento digno, de qualidade, ao usuário", completou.
Samantha reconhece que, apesar de estar longe do ideal em atendimento à população, as UPAs deram uma contribuição muito importante para o Sistema Único de Saúde (SUS) e lembra que o estado do Rio de Janeiro foi o indutor da política.
“É não criar a ideia de que o hospital tem que ser a porta de entrada para tudo. Até porque existem questões que não são tão graves e podem ser resolvidas na atenção básica e em outros equipamentos, não só nas UPAs, para que esses pacientes não sejam obrigados a ir para as emergências hospitalares para tratar questões de menor complexidade, evitando sobrecarregar o sistema.”
Vantagens
O pesquisador Daniel Soranz, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), defende a flexibilização proposta pelo governo federal. Segundo Soranz, a regra anterior não levava em consideração as realidades locais.
“Na construção do SUS, o gestor municipal tem a responsabilidade de definir regras locais. Com a municipalização, isso aumenta a flexibilidade, aumenta a autonomia dos municípios para realizar essas definições. De acordo, obviamente com a necessidade de cada local, de acordo com a realidade orçamentária de cada municípios”, disse Soranz, que já foi secretário de Saúde municipal do Rio.
Para o pesquisador, as mudanças devem ter impacto apenas sobre as novas unidades que serão abertas. Soranz destaca que, mesmo com o risco de sobrecarga de trabalho para o profissional, como alerta a defensoria, o gestor municipal terá mais liberdade para definir suas equipes.
“Não dá para generalizar e dizer que é bom para todos os lugares ou que é ruim para todos os lugares. Há pontos positivos, que aumentam a autonomia dos municípios, mas há pontos negativos também, em que podem ser feitas composições aquém do necessário para aquela população”, acrescentou.
Soranz lembra que, de acordo com a rede disponível em cada localidade, é possível flexibilizar as equipes das UPAs sem prejudicar o atendimento à população.
“Considerando um sistema de atenção primária forte, em cada local pode ser necessário um tipo de atendimento, de formação de equipes diferentes. Em muitos locais já há uma rede de atenção primária forte ao redor das unidades de pronto atendimento, que permitem um outro remodelamento das equipes. Em outros locais, isso ainda não é possível. Então, aumentar a autonomia dos municípios nessa definição das equipes certamente fortalece o Sistema Único de Saúde.”
Estado e municipalização
O governo do estado do Rio de Janeiro administra 29 UPAs, das quais 16 ficam na capital. De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, todas estão em funcionamento com, no mínimo, cinco profissionais médicos por turno. Nenhuma será afetada pela medida anunciada pelo ministério.
A secretaria informa que todas são geridas por organizações sociais e que 70% do valor de custeio vem de recursos estaduais. Entretanto, a atual gestão da secretaria vem sofrendo redução de recursos, operando desde janeiro de 2016 com 40% do orçamento previsto. “Desta forma, todos os recursos disponíveis estão sendo destinados para a manutenção do funcionamento da rede estadual. Apesar das dificuldades geradas pela grave crise financeira, as unidades da rede encontram-se em funcionamento”.
No início de janeiro, o secretário de Saúde, Luiz Antônio Teixeira Jr., anunciou a previsão de municipalizar as 16 UPAs do estado que ficam na capital, com previsão para início da mudança de gestão em 60 dias e a criação de uma comissão para cuidar desse processo.
Sobre o processo de municipalização, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro informou, no início do mês passado, que o assunto estava sendo estudado. Ontem (3), o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, disse que a prefeitura tem “todo o interesse” em municipalizar as UPAs e reabrir os restaurantes populares.
Na capital também não haverá mudança no sistema de funcionamento nem redução de médicos nas UPAs. Segundo a secretaria, todas as 14 unidades estão em “pleno funcionamento”. Desse total, 11 são geridas por organizações sociais e três pela RioSaúde [empresa pública]. Para a manutenção das unidades, o Ministério da Saúde repassa anualmente um total de R$ 38 milhões, informou.
Pacientes
A reportagem da Agência Brasil esteve, no início de janeiro, na UPA da Tijuca, do governo do estado, e ouviu reclamações dos pacientes. O vigia noturno Marcelo Mota procurou a unidade porque estava com dor de cabeça, na região da testa, com suspeita de sinusite. Ele contou que que esperou uma hora e meia pelo atendimento e que foi apenas medicado, sem nenhum exame complementar. Marcelo disse que já foi atendido mais rápido em outras ocasiões.
“Moro aqui na Tijuca, sempre venho aqui. Meus filhos também, e sempre resolve. Quando está bom o atendimento, é rapidinho, demora 20 minutos, meia hora. Hoje não fizeram exame e só deram o medicamento e a vacina foi na barriga, que eu nunca tinha tomado, sempre foi no braço ou no bumbum. Um mês atrás, meu irmão veio aqui com muita dor no abdômen e teve um excelente atendimento. Fizeram o exame, descobriram que era pancreatite, daí ele ficou internado aqui nas primeiras 24 horas e depois foi transferido para o hospital”, afirmou o vigia.
Morador de Manaus, o pedreiro Ednelson Miranda estava no Rio a passeio e teve uma distensão na virilha. “Demorou muito [o atendimento], quase quatro horas, tem pouco médico para muita gente. É minha primeira vez na UPA. O remédio é um só para todos os pacientes que estão com dor: dipirona. E me deram o encaminhamento para ver se é uma hérnia, não fizeram exame nenhum.”
Em dez minutos, pouco antes das 16h, pelo menos dez mães desistiram do atendimento, depois de esperar por mais de quatro horas e serem informadas de que o único pediatra da UPA tinha precisado acompanhar um paciente grave ao hospital.
A dona de casa Carolina Vernes foi uma delas. “Meu filho Flávio vai fazer 2 anos agora, quase nunca fica doente, mas estouraram umas aftas na boca dele, e eu vim para tirar uma dúvida, mas só tem um pediatra atendendo e demora mais de 40 minutos com cada criança.”
Sobre as reclamações a respeito do atendimento, a Secretaria de Saúde explicou que a unidade funciona com equipe formada por três clínicos e um pediatra no plantão diurno. “Cabe esclarecer que todos os pacientes que buscam a unidade são submetidos à classificação de risco, com prioridade para os casos mais graves”, informou em nota.