Durante interrogatório, policial acusado por chacina em Osasco alega inocência
Durante o interrogatório que durou mais de duas horas, na tarde de hoje (1º), o policial militar Victor Cristilder Silva dos Santos, acusado de ter participado das chacinas de Osasco e de Barueri, em agosto de 2015, se disse inocente. “Sou inocente. Nunca iria matar um cidadão de bem. Fiz juramento na polícia para defender o cidadão de bem”, disse ele.
Dezessete pessoas foram assassinadas na noite do dia 13 de agosto de 2015. Para o Ministério Público e a Defensoria Pública, as mortes ocorreram como vingança pela morte de um policial militar e de um guarda-civil na mesma semana.
O policial é acusado de ter trocado mensagens no celular com um guarda municipal para combinar o horário de início e fim da chacina. Além disso, ele teria dirigido um dos carros utilizados no crime e efetuado disparos com arma de fogo contra as vítimas. Ele é acusado tanto por homicídio quanto por tentativa de homicídio.
Amanhã (2) ocorre a fase de debates, com a argumentação da acusação e da defesa. Cada uma das partes terá uma hora e meia para falar. Se houver réplica e tréplica, tanto acusação quanto defesa terão mais uma hora. Só depois, os sete jurados se reunirão para decidir se condenam ou absolvem o policial pelos crimes.
Interrogatório
Para se defender, o policial militar levou várias anotações escritas em folhas de papel. A todo o tempo, ele ia citando páginas do seu processo, que ele disse conhecer bem. Em sua defesa, contou aos jurados que estava na base militar onde trabalhava quando as chacinas tiveram início, embora seu horário de trabalho já tivesse sido encerrado. Ele começou o interrogatório contando que trabalhou no Exército até entrar na Polícia Militar, em 2009.
Victor Cristilder Silva dos Santos contou também que, naquele dia, trabalhou das 6h45 às 19h. Mas decidiu permanecer na base além do seu horário de trabalho, para evitar trânsito e também para estudar para um concurso de sargento. Ele contou que, dois dias antes, encontrou o guarda municipal Sergio Manhanhã, já condenado por participação na chacina, e pediu um livro emprestado de direito administrativo, que ele precisava para estudar para a prova. O guarda prometeu que levaria o livro no dia 13.
Na data combinada, ele conta que, encerrado o expediente, subiu para o alojamento para esperar Manhanhã trazer o livro e também para ir estudando para o concurso. Antes de subir, contou ter mandado um emoji para Manhanhã, um símbolo de joinha, o que, segundo ele, significaria um aviso ao guarda de que já tinha acabado o expediente. Para a defesa, no entanto, o sinal de positivo coincide com o horário de início das mortes. Por volta das 20h, ele conta ter adormecido e só acordou quando percebeu um barulho alto do rádio na base, avisando sobre as chacinas. Ele então concluiu que foi por essa razão que Manhanhã não levou o livro naquela noite – porque o guarda estaria ocupado com as ocorrências sobre a chacina.
O militar conta que foi embora da base por volta das 22h30, horário em que coincide com o final da chacina. Indagado pela juíza sobre o sinal de joinha enviado por Manhanhã por volta das 23h, Cristilder acrescentou uma informação que ainda não tinha falado em nenhum dos seus depoimentos anteriores: o de que o joinha enviado por Manhanhã era uma resposta a um símbolo de um homem correndo, o que ele enviou antes ao guarda e que significava que ele tinha ido embora para casa.
A juíza voltou a questionar Cristilder sobre isso. O réu insistiu na mesma alegação. O promotor também questionou Cristilder sobre a razão de ele não ter mencionado esse símbolo do homem correndo antes – símbolo que jamais apareceu entre as mensagens que foram resgatadas pela investigação no celular de Manhanhã e que nunca foi citada pelo interlocutor das mensagens. O réu respondeu que não tinha mencionado isso antes porque estava nervoso nos interrogatórios, o que teria feito com que esquecesse de mencionar esse símbolo. “Meu sinal para o guarda era sobre o livro, não para matar ninguém”, se defendeu.
Cristilder foi reconhecido em uma pré-chacina, ocorrida uma semana antes em Carapicuíba, por uma testemunha apelidada de Beta, sobrevivente desse evento. A investigação concluiu sobre sua participação também na chacina de Osasco, principalmente porque, em ambas, foi utilizada a mesma munição, que teria sumido do Exército.
Sobre essa testemunha, uma das principais provas da acusação contra ele, Cristilder disse que a vítima “se confundiu” no reconhecimento, creditando a ele mortes que teriam sido provocadas por uma outra pessoa, semelhante a ele, apelidada de Boy. Ele negou que seu apelido também fosse Boy. “Quem tem apelido de Boy é quem tem dinheiro”, diz ele, dizendo ser de família humilde. “Nunca tive nada na minha vida. Mas nunca me desviei pelo caminho do mal”, ressaltou. “Não conheço essa testemunha [Beta], mas tenho certeza de que ela se confundiu”, falou o policial.
Celular
Mais cedo, durante o depoimento de uma das testemunhas, o advogado que defende Cristilder questionou a juíza do porquê de o celular de seu cliente não ter sido periciado pela investigação, assim como ocorreu com o do guarda municipal. E pediu para a juíza que o celular fosse periciado ou ligado neste momento. A juíza negou os dois pedidos. Mais tarde, para jornalistas, o promotor Marcelo de Oliveira disse que isso seria crime, que o celular nunca poderia ser aberto no júri porque não é permitido produzir provas durante o julgamento. “Isso foi uma tática da defesa. Mas tenho de respeitar”.
O promotor também comentou sobre o fato de o réu hoje ter dado uma nova informação sobre as mensagens trocadas com o guarda municipal por celular, acrescentando o símbolo do homem correndo, que até então não tinha aparecido nem em seus depoimentos nem nas mensagens que foram obtidas com a análise do celular de Manhanhã. “No Brasil não há crime de perjúrio. Foi uma mentira deslavada”, disse. “Tenho certeza que justiça será feita se ele for condenado”.
Procurado pela imprensa, o advogado de Cristilder, João Carlos Campanini, se recusou a falar.
Primeiro julgamento
No primeiro julgamento do caso, os sete jurados decidiram condenar os policiais militares Fabrício Emmanuel Eleutério e Thiago Barbosa Henklain, além do guarda civil Sérgio Manhanhã. O policial Fabrício Emmanuel Eleutério foi condenado à pena de 255 anos, 7 meses e 10 dias de prisão. O também policial Thiago Barbosa Henklain recebeu sentença de 247 anos, 7 meses e 10 dias. Já o guarda-civil Sérgio Manhanhã foi condenado a 100 anos e 10 meses. As penas somaram mais de 600 anos.
Os dois policiais foram acusados de terem disparado contra as vítimas e respondiam por todas as mortes e tentativas de assassinato. Já o guarda-civil, segundo a acusação, teria atuado para desviar viaturas dos locais onde os crimes ocorreriam e foi denunciado por 11 mortes. Eles responderam por homicídio qualificado, por motivo torpe, com emprego de recurso que dificulta as perdas das vítimas e praticado por grupo de extermínio, além de responderem pelo crime de formação de quadrilha.