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Direitos Humanos

Trabalho escravo: 1,8 mil mulheres foram resgatadas em 15 anos

Especialistas apontam subnotificação de casos e denúncias
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Kariane Costa* - Repórter da Rádio Nacional
27/01/2021 - 10:16
Brasília
Trabalho escravo
© Ministério Público do Trabalho - Divulgação

A história da maranhese Gilza Arruda dos Santos se mistura com a de tantas outras mulheres, vítimas do trabalho análogo à escravidão no Brasil. Aos 11 anos se viu trabalhando como babá e empregada doméstica para uma família com três crianças. Ela havia sido levado da casa dos seus pais com a promessa que teria uma vida melhor em outra cidade, longe de todos.

A ajuda demorou, mas veio.

Entre 2003 e 2018 foram resgatadas 1.889 mulheres em situação de trabalho escravo moderno. Nordestina, negra e sem conclusão do ensino fundamental: este é o perfil da mulher que é tratada como escrava no Brasil. E assim como aconteceu com Gilza, a exploração em muitos casos começa na infância.

Para Italvar Medina, procurador do Ministério Público do Trabalho, essa realidade está associada à persistência de uma racismo estrutural, em que uma mulher ou criança negra é tratada como se fosse uma pessoa de valor menor.

O governo brasileiro reconheceu a existência do trabalho escravo contemporâneo no país em 1995, após denúncia da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

Relatos de abusos invisíveis e que sequer entram nas estatísticas oficiais, é o que aponta uma publicação produzida pelo programa educacional Escravo, nem pensar!, ligado à ONG Repórter Brasil. O levantamento revela que, em 20 anos, apenas 5% das mais de 55 mil pessoas resgatadas no Brasil são mulheres. Número considerado baixo por especialistas e que pode não retratar a real situação do trabalho escravo no país.

O pesquisador Thiago Casteli conta que em um dos primeiros casos de resgate de trabalhadores em situação semelhante ao trabalho escravo, em 1995, em carvoarias no Mato Grosso do Sul, havia, sim, mulheres flagradas pelos registros fotográficos da época, mas os nomes delas não constam nos relatórios.

Ele afirma ainda que existem casos de cozinheiras, por exemplo, que não foram reconhecidas como resgatadas, apesar de estarem junto com os homens na mesma condição de exploração, só que exercendo outra função. Tiago explica que um dos fatores da subnotificação é como os agentes do poder público percebem as trabalhadoras.

Também chamam a atenção casos como as atividades sexuais de mulheres em situação de trabalho escravo. Em Cuiabá, por exemplo, 20 jovens foram encontradas, em 2010, sendo exploradas sexualmente, obrigadas a ficar à disposição dos clientes 24 horas por dia, submetidas a jornadas exaustivas. Ainda assim, o relatório dos agentes não aponta um caso sequer, no registro da ocorrência, relacionado à categoria “profissionais do sexo” e, consequentemente, nos cadastros do seguro desemprego naquele período.

A procuradora Lys Sobral, coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, explica que, em 2021, um dos eixos de atuação do MP é fazer um levantamento sobre possíveis casos de subnotificação.

Gilza Arruda, que depois de adulta voltou a ser vítima de trabalho escravo, hoje conta com o apoio do Centro de Defesa e dos Direitos Humanos de Açailândia, ONG especializada em resgatar e atender denúncias na região. Com 51 anos de idade, a lavradora diz que ainda carrega as marcas que a acompanharam ao longo da vida, e lamenta nunca ter sido reconhecida oficialmente como trabalhadora e detentora de direitos.

Denúncia contra trabalho análogo à escravidão pode ser feita por meio do Disque 100 ou pelo site mpt.mp.br ou presencialmente nas procuradorias da Secretaria Nacional do Trabalho do Ministério da Economia ou nas superintendências regionais.

*com sonoplastia de Messias Melo

 

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