Egoísmo da cultura ocidental pode impossibilitar a vida da humanidade

Tempo Circular: Intelectuais Indígenas - conversa com Daniel Munduruku

Publicado em 25/04/2024 - 08:15 Por Alex Rodrigues - Repórter da Agência Brasil - Brasília

O escritor, filósofo e educador Daniel Munduruku é categórico ao afirmar: o sistema econômico em que vivemos, que alimenta sempre a esperança em um futuro melhor do que a realidade atual, em algum momento não muito distante vai impossibilitar a vida, não só das populações indígenas, mas da própria humanidade. 

Com reflexões profundas sobre esse sistema guloso que a tudo devora e as percepções de vida dos povos originários, o divulgador das culturas indígenas, nascido em Belém, e ganhador do Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do país, revela um certo pessimismo ao dizer que o tempo é circular, que a história se repete, e que a humanidade deveria aprender com o passado para viver o presente de forma coletiva, sem tanta preocupação com o futuro individualista. 

"E esse olhar para esse tempo futuro aliena as pessoas para uma necessidade mais imediata, que é de construir a própria existência no momento presente. Então esses povos indígenas foram construindo uma visão baseada não no tempo do relógio, que é o tempo linear, o tempo da produção, o tempo da riqueza, o tempo do acúmulo, o tempo da poupança, o tempo de investimento, né, o tempo de correr atrás do tempo, como se costuma dizer, porque aqui se diz que tempo é dinheiro."

Daniel Munduruku dá uma aula sobre a visão indígena de ser e viver, e contrapõe com a visão ocidental de tempo. 

 Mas os povos indígenas em geral têm uma concepção do tempo, que é um tempo de circularidade. É um tempo de pertencimento à natureza, ao mundo e tudo mais. E isso se dá justamente porque a concepção indígena do tempo, ela não é linear. Ela não segue uma visão linear no tempo, como no Ocidente, que caminha para frente em busca de uma felicidade que ele nunca encontra, porque o objetivo não é encontrar felicidade. O objetivo é simplesmente alimentar nas pessoas o desejo de consumir a tal felicidade.

Esta é a segunda entrevista do especial Tempo Circular: Intelectuais Indígenas marcando o abril indígena e os 20 anos do Acampamento Terra Livre, que ocorre em Brasília até o dia 26.

TEMPO CIRCULAR:INTELECTUAIS INDÌGENAS 

ENTREVISTA COM DANIEL MUNDURUKU

DANIEL: E esse olhar para esse tempo futuro aliena as pessoas para uma necessidade mais imediata, que é de construir a própria existência no momento presente. Então esses povos indígenas foram construindo uma visão baseada não no tempo do relógio, que é o tempo linear, o tempo da produção, o tempo da riqueza, o tempo do acúmulo, o tempo da poupança, o tempo de investimento, né, o tempo de correr atrás do tempo, como se costuma dizer, porque aqui se diz que tempo é dinheiro. 

Sobe som 🎶

ALEX: O escritor, filósofo e educador Daniel Munduruku é categórico ao afirmar: o sistema econômico em que vivemos, que alimenta sempre a esperança em um futuro melhor do que a realidade atual, em algum momento não muito distante vai impossibilitar a vida, não só das populações indígenas, mas da própria humanidade. 

Com reflexões profundas sobre esse sistema guloso que a tudo devora e as percepções de vida dos povos originários, o divulgador das culturas indígenas, nascido em Belém, e ganhador do Jabuti, o mais tradicional prêmio literário do país, revela um certo pessimismo ao dizer que o tempo é circular, que a história se repete, e que a humanidade deveria aprender com o passado para viver o presente de forma coletiva, sem tanta preocupação com o futuro individualista. 

 Olá!  Eu sou Alex Rodrigues, repórter da Agência Brasil e neste abril indígena, celebrando os 20 anos do Acampamento Terra Livre, que ocorre em Brasília até o dia 26, trazemos aqui para a Radioagência Nacional uma série de entrevistas que fiz com intelectuais e lideranças indígenas. Este é o segundo episódio e, como já perceberam, o entrevistado é Daniel Munduruku. 

Sobe som 🎶

ALEX: O mote principal da nossa série de entrevistas é tentar pensar em conjunto com esses representantes indígenas o futuro dos povos indígenas. Insisti muito para entrevistá-lo, porque você já deu algumas declarações que eu acho bastante ousadas e que tem um grande diferencial em relação a tudo que a gente fala e pensa em relação ao futuro. Então, gostaria de começar com você, te provocando. Você sempre faz questão de dizer que, entre os Munduruku, a concepção de futuro é diferente da nossa, não indígena. Eu gostaria que você explicasse um pouco melhor essa ideia e como é que, dentro desse seu conceito, é possível a gente pensar o futuro dos povos indígenas. 

DANIEL: Legal, boa provocação. Ó, eu diria o seguinte, os povos indígenas em geral, posso generalizar um pouco isso, sem medo de que está sendo injusto em qualquer povo. Mas os povos indígenas em geral têm uma concepção do tempo, que é um tempo de circularidade. É um tempo de pertencimento à natureza, ao mundo e tudo mais. E isso se dá justamente porque a concepção indígena do tempo, ela não é linear. Ela não segue uma visão linear no tempo, como no Ocidente, que caminha para frente em busca de uma felicidade que ele nunca encontra, porque o objetivo não é encontrar felicidade. O objetivo é simplesmente alimentar nas pessoas o desejo de consumir a tal felicidade. É o desejo de buscar. Assim nascem todas as histórias ocidentais, né, de busca do santo graal, de busca da felicidade, de busca, enfim, de uma vida após a vida. Tudo isso é construído em cima de uma visão linear que tem a ver com a certeza de que existe algo depois do presente, depois do hoje. Aqui se chama futuro. Então se busca, se joga toda uma compreensão de realizações baseado na ideia de ter, de possuir, de acumular. Essa visão linear é uma visão que educa as pessoas para o egoísmo, para a disputa, para a conquista, para a conquista do outro, né, e, portanto, para a colonização também do outro. Então, estamos o tempo inteiro voltados para isso e toda a pedagogia ocidental é baseada na célebre pergunta ‘o que você vai ser quando crescer’. E em cima disso se constrói toda uma narrativa, mas não no sentido pejorativo que se dá a essa ideia, né, de narrativa, mas uma história que vai sendo contada baseada justamente nesses princípios de que há de haver uma vida após a morte, daí vem todas as criações a respeito, inclusive, das divindades e tudo mais. Bom, esse é o tempo ocidental. O tempo indígena é o tempo da natureza, e o tempo da natureza é um tempo cíclico. Ele não anda para frente, ele anda para trás. Ele se baseia num alimento de si mesmo, sobre si mesmo, é um desdobrar sobre si mesmo que projeta para frente, projeta para uma continuidade da existência imediata. Então, os indígenas que foram desenvolvendo toda a sua pedagogia, justamente não na ideia do que você vai ser quando crescer, mas na ideia de que a gente já é. E só é possível ser agora, nesse instante. Daí não se pergunta para uma criança o que você vai ser quando crescer, porque já está subentendido nessa pedagogia que ela já é tudo o que precisa ser. E cabe à sociedade, à comunidade e aos adultos oferecerem condições para que a criança seja plenamente criança. Essa criança cresce, se torna um jovem equilibrado, se torna um adulto equilibrado e se torna um velho consciente do seu papel no mundo, que é justamente fazer a ligação entre o seu ser presente, velho, naquele momento e o ser presente da criança, fazendo uma relação de circularidade nessa concepção que é a concepção de natureza. Portanto, não é uma concepção que faz com que o adulto ou que a pessoa, ela seja mais importante que alguma outra coisa. Ela é simplesmente incluída em todas as outras coisas. E aí se educa para o coletivo, nunca para o individual. Então são sociedades que foram desenvolvendo a sua concepção de existência a partir da ideia de que não existe futuro, existe só passado e presente. O passado diz quem nós somos, da onde vivemos, e o presente é o lugar de viver isso tudo. E quem faz essa ligação entre o passado e o presente são os avós, são os velhos, e eles fazem isso contando histórias. Então eles ligam os pontos o tempo inteiro, né? E dando a ideia de que, de fato, nós fazemos parte de uma grande teia, em que cada ser da natureza, inclusive o homem, ele é importante no momento de equilibrar essa teia, ele tem que segurar a parte que lhe cabe nela, de modo que o indígena, ele não constrói uma visão de futuro, de paraíso, de inferno, de pecado, de moralidade. É claro que ele tem todos esses componentes dentro de uma visão de mundo, onde cabe, né, toda a construção de uma sociedade, de uma vida que é digna. O que querem os indígenas? Querem viver uma vida longa. E para viver uma vida longa, a gente tem que ter condições para isso. Uma condição não de disputar uns com os outros, porque quando a gente disputa, a gente destrói, a gente domina, a gente escraviza. Então, nem todo mundo consegue ser feliz dessa maneira. E o povo indígena entende que é importante que todas as pessoas tenham acesso à felicidade. Simples assim. 

ALEX: Essas suas palavras finais, Daniel, parecem já antecipar o questionamento que eu iria te fazer. Talvez habituado a dar essa aula, porque isso que você está fazendo é uma aula de filosofia, e habituado com a dificuldade que, principalmente nós, não indígenas, temos de lidar, de nos apropriarmos dessa concepção diferenciada de tempo, você deve estar acostumado a receber perguntas do tipo, como conciliar essa visão de mundo, essa noção de circularidade, com a construção de políticas públicas que necessariamente estabelecem metas a serem atingidas, indicadores a serem contemplados. Todas as entrevistas que eu fiz com outras pessoas, falou-se muito a respeito do que é necessário possibilitar às comunidades indígenas para que elas tenham um estado de bem viver. Quando você diz dessa concepção diferenciada de futuro, automaticamente a gente pensa como conciliar as duas coisas, como não pensar num futuro, não estabelecer um futuro, e ao mesmo tempo estabelecer políticas públicas para proporcionar aos índios o que eles precisam. 

DANIEL: Se quiser resolver isso aí, teria que demarcar todos os territórios, dar autonomia para os indígenas decidirem o que fazer com esses territórios e que isso não fosse uma imposição de Estado. Portanto, não fosse exatamente uma política pública, porque ao se determinar que é uma política pública, se determina também que tem que ter um Estado que faça isso, né. Tem que ter um mandatário que organize isso, que ordene isso. Se levar a ferro e fogo e for pela própria concepção indígena, o que seria o ideal, caberia aos indígenas resolverem o caminho, decidirem o caminho melhor para seguir adiante. Então, é, a única forma, eu diria, de a gente fazer uma coisa equilibrada seria exatamente chamar os indígenas para conversar a respeito disso, para decidir o que fazer a respeito disso. Porque, repito, aqui não se trata simplesmente de modos de vida, se trata de como a economia governa o mundo. E a economia que governa o mundo, e no caso o Brasil também, é uma economia linear, ela não é uma economia circular. É uma economia linear, ela não é uma economia circular, né é? Embora a gente já tenha esses conceitos hoje dessa economia circular, seria necessário e urgente que, ao querer que os indígenas pudessem decidir o seu próprio futuro, bem entre aspas, seria necessário que dessem a eles a oportunidade de optar e como fazerem essa junção entre o mundo do capitalismo, com essa economia linear, né, com a economia circular indígena. E dar o direito do indígena, se ele quer ir para a cidade, se ele quer estudar, se ele quer fazer um outro caminho, que ele possa fazer esse caminho, né. Mas que seja garantido o acesso a tudo isso também. Então, basicamente, radicalmente falando, seria fazer o Estado, enquanto organização, sair desse debate e entregar esse debate aos próprios indígenas, né, para que eles possam determinar qual o melhor caminho a seguir. 

ALEX: Feitas essas suas considerações, e fiz questão de justamente começar por te questionar a respeito dessa concepção de futuro, você se arrisca em um exercício de futurologia, descrever como é que você imagina o futuro das comunidades indígenas? Pergunto isso diante de um cenário de tantas contradições, com agravamento de crises humanitárias e de conflitos por terras, mas ao mesmo tempo de um crescimento demográfico da população indígena e de um possível maior interesse, né, pelo pensamento e pela filosofia indígena. Diante dessas contradições todas, como é que você imagina o futuro dos povos indígenas dentro de algumas décadas? 

DANIEL: É, eu diria que a contradição não é nossa, né. A contradição é do sistema que olha e sempre olhou para os povos indígenas como um problema. Por indígena não existe um problema a colocar, existe uma solução. E essa solução o próprio indígena já tem dado ao longo de, sei lá, 3 mil anos, só para não ser muito arrogante, né, ao longo de 3 mil anos, vem construindo respostas para esses seus dramas de existência, né? São povos que estão existindo e coexistindo, ainda que numa situação bastante complexa ou contraditória, como você disse, né, e tentando já fazer o equilíbrio entre os modos de vida. Ora, existem 300 povos indígenas no Brasil que continuam lutando bravamente para se manter vivo e isso passa pela demarcação de seus territórios, né, pela luta pela demarcação do território, porque aí seria entrar na cabeça do indígena para entender efetivamente qual a relação dele com o território, com a terra, por que que ele briga tanto pelo território, porque nessa briga, nessa compreensão, existe toda uma cosmovisão, uma cosmologia, uma cosmogênese que está ligada diretamente ao entendimento dele de pertencimento a esse lugar. Se não entrar nessa lógica do indígena, a outra lógica que vai prevalecer é a lógica do economicismo, não é, que é do progresso, desenvolvimento, sustentabilidade, seja lá o nome que queira dar para essas lacrações todas a respeito desse tema. Fora isso, é continuar o pensamento colonizador, né. Então, óbvio que não é uma solução e não há uma solução absolutamente fácil e final para isso. Tudo é uma questão mesmo de percepção. Existe futuro para os povos indígenas? No sistema que a gente vive não existe esse futuro, esse futuro em que os povos indígenas vão manter parte da sua tradição, vivendo na floresta, tendo essa opção, a escolha de viver na floresta. Isso vai acabar logo, logo. Logo, logo aqui não é exatamente temporal, mas logo mais a gente vai ter que ver outras soluções para essas questões que se levantou, né? Questão de guerra, que é uma guerra constante, permanente, que os indígenas estão atravessando há 524 anos, não é, seja do ponto de vista do próprio desenvolvimento, do progresso e tudo mais, que vai querer cada vez mais aumentar a sua fatia na exploração ambiental. E quem ainda é uma reserva de pertencimento a isso são as populações indígenas, que são territórios que estão ali alicerçados em cima de reservas ambientais. E o sistema, guloso como ele é, vai querer comer tudo isso, como tem acontecido o tempo inteiro, né? O crescimento do agronegócio, outra coisa não é a não ser o monstro devorando todo esse território, né? Todo esse pensamento que é um pensamento coletivo. Eu não sou um bom profeta, né? Mas o que se desenha pra nós é, aos pouquinhos, a ida dos indígenas, um verdadeiro êxodo indígena, para os centros urbanos, porque a perseguição vai ser tanta que as pessoas não vão ter muita opção. Elas vão ter que sair desses territórios para poder sobreviver ou escolher morrer nesses confrontos todos, o que não é difícil acontecer também. 

ALEX: Daniel, você acaba de retornar da Itália, onde inclusive teve a oportunidade de participar da Feira Internacional do Livro de Bolonha. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, está nos Estados Unidos participando de um evento na Universidade de Harvard. O Ailton Krenak acabou de se tornar o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Pela primeira vez a Funai é comandada por uma indígena. Cada vez mais nós encontramos indígenas cursando graduação, portando diplomas de mestre e doutores, e muitos jovens indígenas, inclusive desconhecidos para a maioria dos não indígenas, aldearam as redes sociais. Estou elencando tudo isso para te perguntar, isso são sinônimos do que você chamou de uma saudade inconsciente que gera uma febre de ancestralidade? A sociedade não indígena está ansiosa por uma resposta indígena? 

DANIEL: Estão tentando impingir na gente a obrigação de dar a resposta, a solução, à crise do próprio homem branco. Na verdade, o domínio dessas novas tecnologias todas é uma tentativa de sobrevivência. Porque, aí eu repito, nós somos do presente, né, nós somos contemporâneos. A gente não pode imaginar que uma boa parte desses jovens que estão nas redes sociais, eles sejam do território indígena. Não são, a grande maioria são de contexto urbano. As cidades tomaram conta das suas aldeias, ou o que há dessas aldeias, e essas aldeias, muitas delas, são instaladas em grandes centros urbanos, esses centros urbanos que foram chegando, foram se apossando desses territórios. Então, há uma sobrevivência tácita que os indígenas vão colocando em prática, como uma forma mesmo de não se deixar desaparecer completamente, náo é. São os novos tipos de guerra, são os novos tipos de desafios que essas populações estão vivenciando hoje. Nada de novo, né? O mundo tá, como dizem os sertanejos, né, o mundo não roda, capota, né? E os povos indígenas têm sido assim desde sempre. É claro que os indígenas estão aí numa busca de se fazerem presentes cada vez mais, porque não há um outro caminho. Ou a gente, de fato, se apresenta como parte dessa sociedade à beira da destruição e da loucura, ou a gente é engolido por ela sem ter direito a falar. Então, o que pode parecer uma grande coisa, né, de a gente está na política, a gente está na literatura, a gente está na academia, a gente está em vários lugares, nas universidades e tudo mais. Isso pode ser também um grande engodo, no final das contas, né? Uma autoilusão, às vezes, nossas mesmas, de achar que nós estamos fazendo grande coisa, quando, na verdade, isso só, de uma certa maneira, alimenta o próprio sistema econômico que a gente às vezes rejeita. 

ALEX: Se você me permite, eu posso fazer um comentário. Posso dizer que das entrevistas que eu fiz, a sua me soou mais pessimista. 

DANIEL: Eu imaginei, eu imaginei que você ia dizer isso. Mas eu não diria que é pessimismo. É porque, na verdade, a esperança ela é uma ficção, né. É uma ficção, é uma forma de a gente pular para o futuro novamente e buscar a resposta no futuro. A gente vai sobrevivendo, a gente vai carregando os fatos nas costas, imaginando que nós teremos soluções para o que há de vir pela frente. O que eu estou dizendo aqui é que, embora o esperançar de Paulo Freire seja muito mais adequado para essa ideia do presente, ela também, às vezes, ela se choca com a realidade. E a realidade é muito mais cruel, o inimigo é muito mais forte do que a gente imagina. E ele vai, às vezes, consumindo as nossas próprias esperanças a favor dele. Ele vai transformando em produto a esperança e acaba nos iludindo, né? Acaba iludindo a sociedade como um todo, sei lá. Bom, mas se for ser pessimista, também tudo bem. Não tem problema. 

ALEX: Mas foi exatamente por isso que eu insisti tanto em fazer essa entrevista, porque me parece uma provocação super adequada para os tempos de hoje. A gente tem uma série de indicadores a serem comemorados, como o resultado do último censo, que demonstra o sucesso da autoafirmação indígena. Parece que tanta gente vem perdendo o medo de se reconhecer dentro de sua tradição e se declarar indígena, mas há problemas pendentes, há uma série de contradições, há muitas urgências a serem respondidas. Então era da maior importância ouvir um posicionamento como o do senhor. 

DANIEL: Legal, então use sem moderação. 

ALEX: Eu quero lhe fazer uma última pergunta, Daniel. Não sei se o termo adequado é se queixou, se reclamou, mas você já negou a condição de um escritor infanto-juvenil. Ainda assim, boa parte da sua obra é voltada a esse público. Eu gostaria de saber se há alguma razão consciente, por que você destina uma parte tão significativa da sua extensa obra para esse público. 

DANIEL: Na verdade, Alex, eu uso a minha escrita para criança para poder atingir os adultos. É porque eu imagino, assim, que um adulto vai ler o livro antes de oferecer para o filho, pra filha. E isso pode... Você vê que é uma utopia, né? Mas isso pode garantir, de uma certa maneira, que os meus textos eles tenham um apelo mais universal, né, mais adulto. É mais uma tentativa mesmo de atingir o adulto, porque as crianças elas nem precisam de nada disso. O ideal era que as crianças fossem crianças e pudessem brincar e pular, e machucar e sarar. Quem precisa de remendo são os adultos. Mas às vezes a gente precisa usar também o choro das crianças para sensibilizar o adulto. A minha literatura é uma espécie de choro para que os adultos se sensibilizem. 

ALEX: O futuro é ancestral sob risco de não haver futuro, Daniel? 

DANIEL: Olha, eu gosto da ideia do futuro ser ancestral porque seria uma comprovação da circularidade dos saberes. É ancestral porque o que vai acontecer lá para frente já aconteceu lá atrás. Porque a história se repete e ela vem se repetindo de maneira mais cruel em alguns momentos do que em outros. Eu diria que nesse momento ela está reproduzindo um momento muito duro, muito difícil, muito complicado e muito mais cruel porque são guerras em que as pessoas morrem sem saber por que estão morrendo. Elas não estão em guerra, as pessoas não estão em guerra, né. O sistema está em guerra e se trata mesmo de dominar uns aos outros, um sistema dominar outro, um país dominar outro, para fazer prevalecer o seu desejo colonizador. Então, nós estamos em guerra apenas como parte da guerra, não como protagonistas ou como combatentes, né, da guerra. Nós somos só vítimas, só isso. 

ALEX: Daniel, foi uma satisfação te ouvir, eu agradeço pela disponibilidade do seu tempo, pela sua atenção. 

DANIEL: Maravilha, estamos aí. 

ALEX: Abraço, Daniel, muito prazer, obrigado. 

DANIEL: Um abração 

Sobe som 🎶 

CRÉDITOS 

Este foi o segundo de quatro episódios do podcast Tempo Circular: intelectuais indígenas. 

A reportagem, entrevistas e narração foram minhas, Alex Rodrigues. 

Edição, roteiro e montagem de Akemi Nitahara. 

Revisão, coordenação de processos e implementação web de Beatriz Arcoverde. 

AKEMI: Utilizamos a música Xondaro Ka'aguy Reguá, do rapper indígena OWERÁ, do povo Guarani Mbyá, Aldeia Krukutu, na zona sul de São Paulo. 

No terceiro episódio, conversamos com a escritora Eliana Potiguara, a primeira indígena a publicar um livro no Brasil. 

 Sobe som 🎶  

Em breve
Em breve
 

Reportagem, entrevistas e narração 

Alex Rodrigues
Edição, roteiro  montagem  Akemi Nitahara
Coordenação de processos e implementação na web:: Beatriz Arcoverde
Canções e compositores Música Xondaro Ka'aguy Reguá, do rapper indígena OWERÁ, do povo Guarani Mbyá, Aldeia Krukutu, na zona sul de São Paulo. 
Interpretação em Libras: Equipe EBC
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   
   

 

 

Edição: Akemi Nitahara - Beatriz Arcoverde

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