Sala de Vacina: como o Brasil virou exemplo mundial em imunização

Novo episódio conta história do PNI e das fábricas públicas de vacina

Publicado em 02/10/2023 - 14:44 Por Tâmara Freire - repórter da Rádio Nacional - Rio de Janeiro
Atualizado em 03/10/2023 - 10:00

Era 1973, e a experiência do Brasil com a campanha mundial de erradicação da varíola, anos antes, mostrou que era possível imunizar em massa para retirar de circulação doenças que causavam milhares de mortes a cada ano. O país já contava com duas instituições de pesquisa e produção de vacinas, nascidas no início do século XX: o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Nesse contexto, foi criada a política que mudaria radicalmente a expectativa de vida da população e transformaria a nossa nação em uma referência mundial na área.

O Sala de Vacina chega ao terceiro episódio, Do Brasil, contando a história do aniversariante que motivou este podcast: o Programa Nacional de Imunizações (PNI). E, consequentemente, das fábricas que permitiram ao projeto funcionar com a dimensão que ele possui hoje. Afinal, sem a produção nacional e pública de vacinas, o PNI não conseguiria disponibilizar tantos imunizantes, com qualidade e rapidez, em todos os municípios brasileiros.

Essa é uma produção original da Radioagência Nacional e do jornalismo da Rádio Nacional. Além de ser direcionado ao ouvinte final, as rádios podem baixar o conteúdo e incluir em suas programações.

O historiador Carlos Fidelis e a jornalista Tâmara Freire conduzem o ouvinte em uma linha do tempo para entender, primeiro, de onde veio a inspiração para traçar um plano ambicioso de vacinação em massa, em uma época com infraestrutura bem diferente da atual. "O Brasil é um país de dimensões continentais. E naquela época você não tinha os recursos de comunicação, de internet, a telefonia era precária, as estradas eram precárias. Então, vacinar num país naquelas condições era muito difícil", conta Fidelis.

Os resultados da campanha de erradicação da varíola, vitoriosa em 1971, animou a comunidade científica da época, segundo o historiador:

"Ela vacinava nas estradas, nos igarapés, nas estações ferroviárias, nos lugares de grande circulação. E você esquadrinhava o território e ia casa a casa, bairro a bairro, município a município. Essa campanha foi montando a estrutura do que seriam as outras campanhas, valorizando a ideia de que era possível erradicar uma doença do território usando um imunizante, e usando essa estratégia de ataque contínuo à doença”.

O Programa Nacional de Imunizações foi lançado em 1973, mas só virou lei dois anos depois. Seu primeiro grande desafio foi abolir a poliomielite do território nacional. E a estratégia da época era, digamos, megalomaníaca - vacinar, em um único dia, milhões de crianças de uma só vez.

Esse esquema funcionou por anos, até que surgiu outro marco na política de vacinação, a partir da redemocratização do país: a nova Constituição Federal e, com ela, a criação do SUS. De novo, Fidelis conta essa história.

“O SUS imediatamente fornece acesso ao direito à saúde, que antes não existia. O  acesso à saúde estava ligado à posse de uma carteira de trabalho assinada. O SUS vai incorporar essas pessoas que em geral não tinham acesso: donas de casa, populações do campo, empregadas domésticas. Um grande contingente de pessoas, e tem que começar a organizar essa capilaridade e dividir com os estados e municípios”.

A partir daí, o PNI só cresce. Do primeiro calendário, com seis vacinas, o programa passou a oferecer, atualmente, 16 imunizantes para crianças, seis para adolescentes, quatro para adultos e idosos e três para gestantes. Vacinas que são produzidas pelas fábricas do Butantan e da Fiocruz.

As instituições atuam continuamente em pesquisa, inclusive. O Butantan, por exemplo, tem ao menos quatro imunizantes em fase avançada de desenvolvimento, conforme detalha a diretora médica Fernanda Boulos:

“Uma delas é a tetravalente [para influenza]. Temos a vacina da dengue, uma vacina tetravalente em dose única. Temos a vacina de Chikungunya. E, em fase 2 - a gente espera que entre em fase 3 no ano que vem -, a gente tem a ButanVac, ainda no cenário de covid-19. Mas é uma vacina inteiramente produzida no Butantan, o que nos dá uma autonomia, e que a gente tem a expectativa que seja uma vacina que a gente possa atualizar a cepa. A dengue termina no meio do ano que vem; influenza, entendo que a gente já consegue no começo do próximo ano finalizar e fazer um pedido de registro; e também a de Chikungunya”.

O título de referência mundial em vacinação é um reconhecimento de organismos internacionais como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). A coordenadora da entidade no Brasil, Luciana Phebo, explica a escolha:

“É extraordinária a capilaridade do SUS, e ter toda uma gestão unificada chegando aos municípios mais remotos - e olha que é um território vastíssimo, poucos países têm essa estrutura. E que, com relação à vacinação, funciona. A Estratégia de Saúde da Família é, também, essencial para identificação das crianças não vacinadas ou com vacinação incompleta, porque é a visita domiciliar que faz a diferença. O Unicef, junto com a Organização Mundial da Saúde, também tem essa função de levar boas práticas do Brasil para outros países. Então o PNI não é só importante para o Brasil. Ele é importante para todo mundo”.

Ouça a íntegra dessa história no player do topo da página. No próximo episódio, o Sala de Vacina vai contar que não bastou criar o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ofertar as vacinas. Foi preciso convencer a população que a medida era necessária - e segura. E detalha como um país que já teve uma revolta popular contra a imunização, com conflitos nas ruas da capital, conquistou seus habitantes e chegou ao ponto de incorporar a vacinação à identidade nacional.

Acesse o Calendário Nacional de Vacinação e outras informações sobre imunização no SUS na página do Ministério da Saúde.

 

Episódios já publicados:

  1. Da Vaca: Como a vacina mudou o Brasil e o mundo
  2. Do Frasco: Como é feita uma vacina e porque ela é segura
  3. Do Brasil: Como o país virou exemplo mundial em imunização
  4. Do Oswaldo ao Zé: Da revolta contra a imunização ao amor pelo Zé Gotinha
  5. Da Volta por Cima: Porque as taxas vacinais caíram e como recuperar

 

Você pode conferir, no menu abaixo, o link para a pesquisa, em inglês, que é citada no podcast - que mensurou quantas pessoas poderiam ser salvas no Rio de Janeiro caso a vacina tivesse sido ofertada à população 30 dias antes. Também é possível acessar a transcrição do episódio, a tradução em Libras e ouvir o podcast no Spotify, além de checar toda a equipe que fez esse conteúdo chegar até você.

PODCAST

SALA DE VACINA

EPISÓDIO 3: DO BRASIL

[MÚSICA DE ABERTURA]

[TÂMARA FREIRE] Você já ouviu aqui nesse podcast que a primeira vacina da história foi criada em 1796 para combater a varíola, e que essa imunização rudimentar chegou ao Brasil em 1804 de uma forma nada adequada: usando pessoas escravizadas como incubadoras.

[EFEITO SONORO DE REPROVAÇÃO]

[TÂMARA] A gente também já explicou, com a ajuda de especialistas, que as vacinas evoluíram muito nos seus quase 230 anos de vida, assim como os métodos de pesquisa e produção dos imunizantes.

Ainda não ouviu? Então, não perde tempo e corre lá no site da Radioagência Nacional ou aqui mesmo nessa plataforma.

[EFEITO SONORO DE CORRIDA]

[TÂMARA] Tudo isso foi uma importante introdução pro assunto deste terceiro episódio do Sala de Vacina.

Como a gente do Brasil saiu de uma vacina rudimentar e passou a ter o maior programa público de vacinação do mundo?

Toca um sambinha aí pra gente, Jailton!

[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]

[TÂMARA] EPISÓDIO 3: DO BRASIL

[MÚSICA DE TRANSIÇÃO]

[TÂMARA] O aniversário do nosso Programa Nacional de Imunizações é o marco que motivou a criação desse podcast. Ele completou 50 anos no dia 18 de setembro.

[EFEITO SONORO DE PALMAS]

[TÂMARA] Mas a história da vacinação no Brasil começou bem antes.

Ainda no século XIX, nos tempos do Brasil-colônia e depois, durante o Império, as autoridades fizeram iniciativas pra tentar conter os surtos de varíola e febre amarela, como a criação da Junta Vacínica da Corte, e depois do Instituto Vacínico do Império.

A vacinação era feita naquele método braço a braço, que consistia em tirar secreções de uma pessoa adoecida de forma branda e inocular em uma pessoa saudável.

[EFEITO SONORO DE REPULSA]

[TÂMARA] Mas, na virada do século, entram em cena alguns dos principais nomes da vacinação no Brasil.

Primeiro, em 1889, o governo de São Paulo instala um laboratório na Fazenda Butantan, que se torna uma instituição autônoma em 1901, sob a direção de Vital Brazil.

E a cerca de 350 quilômetros dali, no Rio de Janeiro, em 1900 é criado o Instituto Soroterápico na fazenda Manguinhos, chefiado por Oswaldo Cruz.

E assim o Brasil deu seus primeiros passos para se tornar não somente um país que vacina, mas também uma referência na produção de imunizantes.

No início, os dois institutos se dedicavam principalmente a encontrar uma vacina e um soro contra a peste bubônica.

Era a terrível “peste negra”, que recebeu este nome pela gangrena que causava nos infectados, ou seja, a morte de partes do corpo, percebida pela cor preta.

[EFEITO SONORO MÓRBIDO]

[TÂMARA] A doença dizimou mais de 50 milhões de europeus na Idade Média, mas continuou causando surtos depois disso e foi detectada aqui no Brasil na virada do século XX.

A varíola também era uma grande preocupação, assim como a febre amarela e a raiva.

Nas décadas seguintes, graças às inovações das quais a gente falou nos outros episódios, a população brasileira começou a ser vacinada em maior quantidade contra essas doenças.

Também foram introduzidas no país as vacinas BCG, que previne contra a tuberculose, e as que combatem a poliomielite e o sarampo. Mas essas iniciativas eram isoladas, e não alcançavam toda a população do país.

De acordo com o historiador Carlos Fidelis, que é presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, a abordagem começou a mudar após a grande campanha mundial de erradicação da varíola, iniciada no final dos anos 50.

[CARLOS FIDELIS] “É lançado em 1959 no mundo, e aqui, em 1962, havia uma campanha contra varíola. Depois, em 1966, ela se transforma em campanha de erradicação da varíola no Brasil. Alcançou resultado positivo em 1971: foi eliminada a varíola do território nacional. Isso animou muita gente, e muitos daqueles que defendiam tanto uso do imunizante quanto o uso da estratégia de campanha. Ela vacinava nas estradas, nos igarapés, nas estações ferroviárias, nos lugares de grande circulação. E você esquadrinhava o território e ia casa a casa, bairro a bairro, município a município. Essa campanha foi montando a estrutura do que seriam as outras campanhas, valorizando a ideia de que era possível erradicar uma doença do território usando um imunizante, e usando essa estratégia de ataque contínuo à doença”.

[TÂMARA] A estratégia de guerra deu certo, e em 1971 o país registrou seus últimos casos de varíola no Rio de Janeiro, o que deu ainda mais razão aos especialistas que defendiam políticas contínuas de vacinação. E então, em 18 de setembro de 1973, o Programa Nacional de Imunizações foi criado:

[LEITURA DE TRECHO DE JORNAL]

O Globo, 25 de setembro de 1973

Até 79, imunização atinge 15 milhões de crianças

O ministro Mário Machado de Lemos declarou ontem, em conferência na Escola de Guerra Naval, que até 1979 o Ministério da Saúde executará um extenso Programa Nacional de Imunizações, “objetivando proporcionar, a curto prazo, os benefícios da imunização preventiva a cerca de 15 milhões de crianças”.

(...) Ele explicou que levantamentos recentes indicaram que as doenças transmissíveis representam aproximadamente 40% do obituário geral do país, e que essa gravidade não se traduz apenas em mortes, doenças e invalidez.

Suas repercussões negativas, sociais e econômicas são por demais evidentes e altamente onerosas à coletividade: falta de trabalho, queda da produtividade, absenteísmo escolar, despesas vultosas de hospitais e tratamento ambulatorial ou domiciliar. O Programa Nacional de Imunizações, além de melhorar as condições de saúde da população, permitirá economizar recursos médicos, educacionais e financeiros, da maior valia para a aceleração do processo de desenvolvimento econômico.

[TÂMARA] Apesar de todo esse compromisso público, o PNI acabou sendo instituído oficialmente apenas dois anos depois, em 1975, com a publicação da Lei nº 6.259.

[LEITURA DE TRECHO DA LEI]

TÍTULO II

Do Programa Nacional de Imunizações

Art 3º Cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório.

Parágrafo único. As vacinações obrigatórias serão praticadas de modo sistemático e gratuito pelos órgãos e entidades públicas, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional.

[TÂMARA] Se você gosta de história, já deve ter pensado que tudo isso estava acontecendo em plena ditadura militar.

De acordo com os especialistas consultados por esse podcast, os sanitaristas envolvidos com as campanhas de vacinação e a criação da PNI eram, de fato, profissionais sérios e comprometidos com a saúde pública.

E o professor Carlos Fidelis ressalta que o principal propulsor pra essa medida foi a mobilização mundial para a eliminação da varíola. Como todo o planeta estava apostando nas vacinas, ficou impossível para o Brasil não participar. Mas vale destacar que o nosso país foi o último da América do Sul a erradicar a doença.

E a repressão da ditadura também deu as caras nesse campo. O regime militar tentou abafar uma epidemia de meningite meningocócica que causou 67 mil casos entre 1971 e 1976, sendo 40 mil só no estado de São Paulo.

Causada por uma bactéria, a doença pode causar infecções generalizadas, além de ter alta letalidade e deixar sequelas permanentes, como a amputação de membros. E pode ser prevenida com uma vacina, que já existia na época, como conta Carlos Fidelis.

[FIDELIS] “Uma época em que se falava do Brasil grande, do Brasil potência, o país do futuro. Então eles procuraram censurar a existência de uma epidemia que surgiu em São Paulo. Foi a coisa mais burra que existiu, porque quando você censura, censura inclusive para a máquina estatal, que vai dar combate, e também não sabe da existência. E a população não se prepara. Isso faz com que a doença tenha campo livre. Então foi uma tentativa autoritária, burra e criminosa, porque fez com que a doença se expandisse mais rapidamente e atingisse um número maior de pessoas”.

[TÂMARA] Quando não era mais possível esconder a epidemia, o governo militar comprou às pressas uma quantidade enorme de vacinas produzidas na França. E a demanda era tão grande, que a farmacêutica precisou construir uma nova fábrica para dar conta das 90 milhões de doses encomendadas.

Pelo menos esse contrato previa a transferência de tecnologia para a Fiocruz, o que levou à criação do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação, para nacionalizar a produção dessa vacina e de outras que viriam a abastecer o PNI. Com isso, a partir de 1977, os casos de meningite meningocócica se normalizaram.

Nesse mesmo ano, o Programa Nacional de Imunizações também definiu o seu primeiro calendário básico, que vacinava as crianças contra seis doenças: tuberculose, sarampo, difteria, tétano, coqueluche e pólio.

Esta última era a maior preocupação. Conhecida na época como paralisia infantil, por causa da sua sequela mais temida, a pólio infectou mais de 26 mil crianças entre 1968 e 1989 - e deixou sequelas permanentes em muitas delas. Por isso, foi eleita como o novo inimigo número 1 do PNI.

A forma como o governo escolheu combatê-lo era tão desafiadora e megalomaníaca que foi criticada até por Albert Sabin, criador da vacina oral contra a pólio, a famosa gotinha. Carlos resgata essa história pra gente.

[FIDELIS] “O Brasil é um país de dimensões continentais. E naquela época você não tinha os recursos de comunicação, de internet, a telefonia era precária, as estradas eram precárias. Então, vacinar num país naquelas condições era muito difícil. Tanto é que o governo Figueiredo propôs a realização do Dia Nacional de Vacinação contra a Poliomielite. Vacinar toda a população em um único dia. Porque as crianças vacinadas iriam excretar vírus vacinal nos valões, e as crianças não vacinadas poderiam se contaminar com vírus vacinal, e não o vírus de verdade. Por isso eles queriam fazer em um único dia. Foi muito criticada pela Organização Pan-Americana de Saúde, pela Organização Mundial da Saúde, pelo próprio Sabin. Porque ninguém acreditava que fosse possível”.

[TÂMARA] Aqui eu vou abrir um parêntese…

[EFEITO SONORO DE PAUSE]

[TÂMARA] …e dar uma breve explicação: nessa época, a vacina com vírus totalmente inativado, que é administrada na seringa, já existia, mas era muito mais cara e mais difícil de ser aplicada em tanta gente ao mesmo tempo.

Já a vacina oral, mais acessível e também efetiva, é feita com vírus atenuado, ou seja, ainda vivo, mas bastante enfraquecido. Em casos muito raros, esses vírus podem sofrer mutação ou alterar suas características genéticas, recuperando a capacidade de produzir paralisia.

Hoje em dia, as crianças brasileiras recebem 3 doses da vacina injetável e só depois tomam o reforço com a gotinha, o que descarta essa possibilidade. E a partir do ano que vem, apenas a vacina inativada será utilizada no país.

Agora voltando à nossa história:

[EFEITO SONORO DE PLAY]

[TÂMARA] Depois dessa primeira campanha nacional em 1980, o governo passou a fazer duas edições anuais do Dia de Vacinação contra a Pólio, que levaram à redução contínua de casos. O último registro da doença no Brasil foi feito em 1989, na cidade de Souza, na Paraíba.

A erradicação da pólio foi a primeira grande vitória do PNI. Mas, um pouco antes disso, um advento mudou tudo no país, incluindo a nossa trajetória de vacinação.

Com o fim da ditadura militar e o retorno da democracia, o Brasil precisava de novas leis e, em 1988, nós ganhamos a nossa Constituição cidadã.

Ela trouxe como principal premissa a igualdade entre todas as pessoas. Pra cumprir esse princípio, a nossa nova Carta Magna criou o SUS, Sistema Único de Saúde, com a missão de oferecer serviços gratuitos de saúde para todos os brasileiros, em todo o território nacional. E o Carlos Fidelis conta que a interação entre o SUS e o Programa Nacional de Imunizações trouxe benefícios e desafios em mão dupla.

[FIDELIS] “O SUS imediatamente fornece acesso ao direito à saúde, que antes não tinha. Como o acesso à saúde estava ligado à posse de uma carteira de trabalho assinada, o SUS vai incorporar essas pessoas que em geral não tinham acesso. Vai incorporar as donas de casa e populações do campo; vai incorporar as empregadas domésticas, que também não tinham carteira assinada. Um grande contingente de pessoas, e tem que começar a organizar essa capilaridade e dividir com os estados e municípios. Mas eu também quero te chamar atenção, porque o PNI ajudou a organizar a estrutura do SUS. É uma via de mão dupla, porque o Programa Nacional de Imunizações começa, por exemplo, a organizar as cadeias de frios. O imunizante, quando sai da fábrica, precisa estar numa certa temperatura, então você precisa de uma cadeia de frios. E ele começa também a se preocupar, por exemplo, com a vigilância epidemiológica. A ideia de que se precisava ter um controle sobre a qualidade dos medicamentos e insumos utilizados na saúde também já tava no PNI”.

[TÂMARA] E aí o PNI não parou mais de crescer, adquirindo cada vez mais vacinas e substituindo as versões oferecidas por outras mais seguras, eficazes ou combinadas, que é quando uma mesma vacina oferece proteção para mais de uma doença.

Lembra do primeiro calendário, que tinha só 6 vacinas? Hoje o PNI oferece 16 imunizantes para crianças, seis para adolescentes, quatro para adultos e idosos e três para gestantes.

Mas isso só foi possível porque outro orgulho nacional também cresceu junto: os institutos públicos que fabricam vacinas.

[EFEITO SONORO DE CLARINADA]

[TÂMARA] Seria muito difícil pro sistema de vacinação do Brasil ter toda essa dimensão se ele dependesse totalmente das fábricas privadas e de vacinas importadas.

Hoje, grande parte dos imunizantes utilizados pelo PNI saem daquela fazenda Manguinhos, onde a Fiocruz foi construída na Zona Norte do Rio de Janeiro. Mais precisamente de Bio-Manguinhos, como é chamado o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos criado em meio à epidemia de meningite que a ditadura tentou esconder.

Lembram do diretor de Bio-Manguinhos Maurício Zuma, que apareceu aqui no segundo episódio? Olha ele aqui de novo dando os números pra gente!

[MAURÍCIO ZUMA] “Bio-Manguinhos hoje produz 10 vacinas diferentes, todas elas compondo o Calendário Nacional de Vacinação. As principais são febre amarela; a tríplice viral; poliomielite oral e a poliomielite inativada; a meningite meningocócica ACWY; o Rotavírus; a vacina pneumocócica e a covid-19. Em 2022, nós entregamos mais de 120 milhões de doses para o PNI. E o Bio-Manguinhos fornece para as agências das Nações Unidas. Ao todo, mais de 70 países recebem vacinas de Bio-Manguinhos”.

[TÂMARA] E aqui não tem briga de biscoito versus bolacha, não.

[EFEITO SONORO DE BISCOITO – OU BOLACHA - CROCANTE]

[TÂMARA] No outro extremo da Dutra está o Instituto Butantan, aquele criado em uma fazenda na virada do século XX, geralmente lembrado pela sua produção de soros contra o veneno de cobras, e que também é muito importante para o Programa Nacional de Imunizações.

[EFEITO SONORO DE PAUSE]

[TÂMARA] Aliás, é importante dizer: também cabe ao PNI adquirir e distribuir os chamados medicamentos imunobiológicos. Nessa categoria, estão os soros para neutralizar venenos de cobras, escorpiões e aranhas; e as imunoglobinas, que contêm anticorpos já prontos para combater um agente invasor em casos de urgência. Por exemplo, quando alguém é mordido por um animal com suspeita de raiva. Ou quando uma grávida não vacinada contra a varicela tem contato com alguém infectado.

[EFEITO SONORO DE PLAY]

[TÂMARA] Voltando às vacinas, atualmente 100% dos imunizantes contra a influenza aplicados no Brasil são fabricados no Instituto Butantan, o que significa cerca de 90 milhões de doses entregues anualmente.

Além disso, o Butantan fabrica os imunizantes contra hepatite A e B, raiva, HPV e as vacinas combinadas DT, contra a difteria e tétano; e DTP e DTPA, que também previnem contra a coqueluche.

E, assim como Biomanguinhos, também exporta vacinas. E o futuro próximo parece ainda mais promissor, segundo Fernanda Boulos, que é a diretora médica da instituição.

[FERNANDA BOULOS] “A gente tem quatro frentes mais importantes em pesquisa clínica no Butantan neste momento. Uma delas é a tetravalente [para influenza]. Temos a vacina da dengue, uma vacina tetravalente em dose única. Temos a vacina de Chikungunya. E, em fase 2 - a gente espera que entre em fase 3 no ano que vem -, a gente tem a ButanVac, ainda no cenário de covid-19. Mas é uma vacina inteiramente produzida no Butantan, o que nos dá uma autonomia, e que a gente tem a expectativa que seja uma vacina que a gente possa atualizar a cepa. A dengue termina no meio do ano que vem; influenza, entendo que a gente já consegue no começo do próximo ano finalizar e fazer um pedido de registro; e também a de Chikungunya”.

[TÂMARA] Bom, e por tudo isso que a gente falou aqui - programa robusto de vacinação, SUS com pelo menos um posto em cada município e fábricas públicas de vacina - a onda vacinal verde e amarela se consolidou, e o Brasil se tornou uma referência mundial. E essa avaliação não é minha, mas da coordenadora do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Luciana Phebo.

[LUCIANA PHEBO] “É extraordinária a capilaridade do SUS, e ter toda uma gestão unificada chegando aos municípios mais remotos, todo o território nacional - e olha que é um território vastíssimo, poucos países têm essa estrutura. E que, com relação à vacinação, funciona. A gente viu na pandemia como o SUS vacinou as pessoas. Faz parte do SUS, mas a Estratégia de Saúde da Família é, também, essencial para identificação das crianças não vacinadas ou com vacinação incompleta, porque é a visita domiciliar que faz a diferença. E o Bolsa Família, que uma das condições é a vacinação de crianças. E o Unicef, junto com a Organização Mundial da Saúde, temos também essa função de estar levando boas práticas do Brasil para outros países. Então o PNI não é só importante para o Brasil. Ele é importante para todo mundo”.

[TÂMARA] Infelizmente, na opinião de vários especialistas, esse status ficou um pouco abalado depois da queda nos índices vacinais, verificada desde 2015. E a situação se complicou ainda mais durante a pandemia de covid-19.

O Brasil tinha a faca e o queijo na mão para ser, mais uma vez, um exemplo mundial. Uma década antes, conseguiu conter a epidemia de H1N1 com extrema rapidez, graças à vacinação em massa, passando de mais de 2,1 mil mortes em 2009, para apenas 100 em 2010.

Mas aí o governo, liderado por um presidente com atitudes negacionistas, atrasou a compra das vacinas, como resgatamos no episódio passado…

[EFEITO SONORO DE REBOBINAR E PLAY]

[TRECHO DA NOTÍCIA DA PFIZER DO EPISÓDIO 2]

“Carlos Murillo é o atual presidente regional da Pfizer na América Latina. Segundo ele, foram feitas três ofertas de venda da vacina. Todas previam entregas de doses ainda em 2020. O representante da Pfizer confirmou que, após fazer essas ofertas, sem respostas, a empresa enviou uma carta em setembro ao presidente Bolsonaro indicando interesse em chegar a um acordo, e confirmou também que, dois meses depois, continuava sem resposta”.

[EFEITO SONORO DE PLAY]

[TÂMARA] …e esse atraso causou a morte de 31 mil pessoas só no estado do Rio de Janeiro, de acordo com pesquisa do Laboratório Nacional de Computação Científica e da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

E aí a gente traz uma palinha da entrevista com a ministra da Saúde, Nísia Trindade, para falar sobre o momento atual, que é de recuperação dessa confiança.

[NÍSIA TRINDADE] “Eu diria que estamos recuperando esse protagonismo. Porque, especialmente durante o período da pandemia, em que houve tanta ação antivacina partindo, infelizmente, do próprio governo federal, estados e municípios partiram para encontrar suas soluções, né, mas sabemos que um sistema universal de saúde maior do mundo num país com tantas desigualdades, só o Ministério da Saúde pode trabalhar nessa coordenação”.

[TÂMARA] A ministra vai ter mais tempo no último episódio desse podcast, quando a gente volta a falar sobre as quedas das taxas vacinais e as iniciativas que tentam recuperar pro Brasil o título de país das vacinas!

Mas peraí, que antes de falar do futuro, a gente vai percorrer o caminho contrário pra tentar entender como uma população que fez uma revolta para não se vacinar, com conflitos nas ruas da capital e tudo, foi conquistada a tal ponto que criou um famoso ditado popular:

[VOZ COM DITADO] “de graça até injeção na testa!”

[TÂMARA] Eu já deixo um spoiler: tem dedo, ou melhor, tem gota, de um grande herói nacional nisso!

Ah! E vamos falar também sobre as fake news que tentam abalar essa fé tão benéfica que os brasileiros têm nas vacinas.

Até lá!

[ENTRAM OS CRÉDITOS COM MÚSICA DE ENCERRAMENTO AO FUNDO]

[TÂMARA] O site do Ministério da Saúde (www.gov.br/saude) disponibiliza todos os calendários básicos, com a idade certa para tomar cada dose.

Esse foi o terceiro episódio do Sala de Vacina, um podcast do jornalismo da Rádio Nacional e da Radioagência Nacional.

São cinco no total. Os episódios são encontrados no site radioagencianacional.ebc.com.br e também aqui nesta plataforma.

Ainda temos interpretação simultânea em Libras, a Língua Brasileira de Sinais, tanto no Spotify como no YouTube.

Eu sou a Tâmara Freire, responsável pela ideia original, produção e reportagem da série. E contei com a colaboração de Vinícius Lisboa, repórter da Agência Brasil, para muitas dessas entrevistas.

Quem faz a edição e pós-produção pra esse podcast chegar até você é a Sumaia Villela.

A identidade sonora e a sonoplastia do podcast são feitas pelo Jailton Sodré. A gravação é feita por Antony Godoy e a equipe de operação de áudio da EBC.

A coordenação de processos é da Beatriz Arcoverde.

A estratégia de publicação e a distribuição nas redes sociais são assinadas por Liliane Farias e Raíssa Saraiva. A identidade visual e o design são de Caroline Ramos.

E agradecemos novamente ao Darlan Rosa por generosamente autorizar o uso da sua maior criação, o Zé Gotinha, na identidade visual do Sala de Vacina.

Voltando para os créditos: a equipe da EBC faz a interpretação em Libras, com direção de vídeo de Lorena Veras e captação de imagem de Daniel Hiroshi. A montagem da versão em vídeo é de Felipe Leite e Fernando Miranda.

Esta série tem fins jornalísticos e utilizou trechos de arquivo de O Globo e da TV Senado.

A voz que lê a notícia do lançamento do PNI é de Dilson Santa Fé. Sayonara Moreno faz a leitura da lei que criou o programa. Já o ditado da vacina tem a voz de Vladimir Platonov.

E eu gostaria de corrigir um erro veiculado no episódio 2. Como você ouviu agora há pouco, Biomanguinhos é o nome mais comum do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fiocruz e não Farmabiológicos como eu gravei no último episódio. Peço desculpas.

A gente se encontra na segunda que vem, contando como a vacina caiu nas graças do povo brasileiro. Até!

[MÚSICA DE ENCERRAMENTO]

 

 

 

Ideia original, produção, roteiro e reportagem: Tâmara Freire
Apoio à produção: Vinícius Lisboa
Edição, pesquisa de mídia histórica, montagem e pós-produção: Sumaia Villela
Identidade sonora e sonoplastia: Jailton Sodré
Operação de áudio: Antony Godoy e equipe da EBC
Coordenação de processos: Beatriz Arcoverde
Estratégia de publicação e distribuição nas redes sociais: Liliane Farias e Raíssa Saraiva
Identidade visual e design: Caroline Ramos
Implementação na Web: Sumaia Villela e Lincoln Araújo
Interpretação em Libras: Raquel Melo
Direção de vídeo: Lorena Veras
Captação de imagem: Daniel Hiroshi
Montagem da versão em vídeo: Felipe Leite e Fernando Miranda
Leitura de notícia sobre criação do PNI: Dilson Santa Fé
Leitura da lei do PNI: Sayonara Moreno
Voz do ditado popular sobre vacina: Tomaz Silva
Trecho de notícia sobre criação do PNI: O Globo
Trecho de notícia sobre compra de vacinas da Pfizer: TV Senado
Agradecimento: a Darlan Rosa, por generosamente autorizar o uso de sua criação, o Zé Gotinha, na identidade visual desta podcast

Edição: Sumaia Villela

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A escolha pela gravidez tardia não representa mais impedimento. São muitos os recursos disponíveis desde a relação sexual programada até métodos em que a fecundação ocorre em laboratório.

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Dia das Mães: Filhos homenageiam mães que já se foram

Uns dizem que mãe não deveria morrer, e outros que mãe nunca morre. De uma forma ou de outra, os laços maternos, na maioria dos casos, não se rompem. O luto por uma mãe exige esforço emocional para continuar tocando a vida, sem a presença de uma forte referência. 

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