O sonho da aposentadoria está cada vez mais distante para o brasileiro, especialmente após a Reforma da Previdência, de 2019. E o cenário é ainda pior para os trabalhadores informais, já que a maioria sequer consegue pagar o INSS.
De acordo com o IBGE, cerca de 38 milhões de brasileiros estão nessa situação - ou seja, quase 40% da população ocupada, principalmente porque trabalham para outras pessoas sem carteira assinada, ou porque trabalham por conta própria, mas não estão regularizados.
É o caso de Maria de Lourdes do Carmo, ou Maria dos Camelôs, como é mais conhecida. Ela tem 50 anos, e ganha a vida como camelô desde os 23. Maria explica que é muito raro um trabalhador como ela alcançar a aposentaria.
“Muito raro, muito. Eu estou com um amigo que está esperando completar a idade para se aposentar, né? E aí ele diz que toda vez que vai lá e fala que está faltando. Ele falou, 'não aguento mais, eu não estou aguentando mais trabalhar, mas a única coisa que eu tenho, a única fonte de renda que eu tenho e que eu sempre tive é a rua'. E, para a gente, é um serviço muito cansativo, né? A gente não tem banheiro, a gente não tem horário de comida. A gente vai envelhecer muito mais rápido do que todo mundo... a gente fica exposto ao sol”.
A diretora técnica adjunta do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, ressalta que as regras anteriores para a aposentaria já eram difíceis, e depois da reforma, ficaram ainda piores.
“Diferente do que se falou muito ao longo da reforma, as regras de aposentadoria no Brasil, elas já eram muito severas. Não estou nem falando do melhor benefício, mas de conseguir acessar a Previdência. Ela já ficou muito mais distante do que ela era. Porque aumentou, no caso dos homens, para 20 anos de comprovação de contribuição e associa-se a isso a idade. Então, agora você tem que comprovar os dois critérios para poder se aposentar. Para além disso, mesmo que você cumpra as regras e consiga pedir o benefício, você tem uma queda entre 15% e 20%”.
A vice-presidenta da Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho, Lydiane Machado e Silva, explica outros impactos negativos da alta taxa de informalidade.
“O primeiro impacto negativo é de ordem prática: a pessoa, ela não era responsável pelo recolhimento da verba previdenciária dela. Já vinha descontado no seu contracheque. Nessa informalidade, como o trabalhador não está vinculado a nenhuma empresa, já transfere para ela a responsabilidade e a gente sabe que isso dificulta, por conta da burocracia. Além disso, o achatamento da renda também faz com que o trabalhador e a trabalhadora não possam prescindir desse valor que é descontado pela Previdência. Ao invés de ele pensar no futuro, a premissa das necessidades atuais dele, de subsistência, faz com que ele incorpore essa parcela que seria destinada para Previdência Social à sua própria renda”.
A esperança de Maria dos Camelôs, é contar com a ajuda dos filhos quando estiver mais velha.
“A gente não sabe como é que vai ser o amanhã. Que não vai ter aposentadoria, a gente está certo. Não tem. Não paga. Como é que você vai se aposentar se você não contribui, né?”
E Maria lembra que a falta de segurança social também impacta o presente, já que quando esses trabalhadores informais estão doentes, ou têm alguma condição que impeça o trabalho, ficam completamente desprovidos de renda. Uma incerteza que impacta ainda mais a decisão de fazer uma previdência para o futuro.
A Radioagência Nacional apresenta uma série de cinco reportagens sobre o trabalho. As matérias serão publicadas entre os dias 1º e 5 de maio. Esta é a quarta reportagem da série (veja a relação completa abaixo).
- "Constituição do trabalho", CLT completa 80 anos nesta segunda (1º)
- O impacto que a inteligência artificial pode ter no mundo do trabalho
- Especialistas apontam relação entre flexibilização e trabalho escravo
- Mudança na regra inviabiliza aposentadoria de trabalhadores informais
- Projeto de lei quer rever pontos da reforma trabalhista
*Ficha técnica desta reportagem da série sobre trabalho:
Reportagem: Carolina Pessôa (com colaboração de Vinícius Lisboa)
Sonoplastia: Jailton Sodré
Edição: Tâmara Freire
Publicação na Radioagência Nacional: Nathália Mendes